Criado em 1962 na revista Amazing Fantasy #15 por Stan Lee e Steve Dikto, o Homem-Aranha é um dos mais conhecidos personagens da Marvel Comics e da cultura pop como um todo. Publicado até hoje, o herói segue com a idade praticamente inalterada pro mais de 50 anos. Se o tempo passasse normalmente para Peter Parker ele deveria estar na casa dos 70 e sua querida Tia May seria uma respeitada senhora centenária. A real é que nenhum super-herói, via de regra, sofre os efeitos do tempo. Isso acontece por conta de uma questão mercadológica que faz com que os personagens se comportem como marcas valiosas que precisam se manter atrativas para diferentes gerações de leitores.
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As editoras encontram diferentes maneiras de fazer isso acontecer, desde sagas mirabolantes ou mesmo decisões editoriais unilaterais com o relançamento de títulos e reformulação de cronologias. Mas, o que aconteceria se o Homem-Aranha envelhecesse com o tempo e acompanhasse todas as transformações sociais e políticas das décadas? A proposta deu origem a uma interessante minissérie, Homem-Aranha – História de Vida, reunidas em formato livro pela Panini Comics.
Escrita por um dos nomes mais interessantes das HQs americanas hoje, Chip Zdarsky (autor da divertida Criminosos do Sexo), e desenhadas por um veterano no herói aracnídeo, Mark Bagley, a obra traz uma abordagem muito criativa e é uma boa leitura para quem quer ler algo do gênero super-heróis mas não quer se encalacrar no meio de cronologias, universos, etc. Cada capítulo envolve uma década e recupera histórias e sagas importantes do personagem, como a Saga do Clone, o surgimento do simbionte alienígena, a caçada de Kraven e diversos outros momentos. Os fãs mais assíduos do personagem curtirão ainda mais a HQ pois existe a possibilidade de encontrar diversas referências escondidas.
Bagley dá um show em explorar todos os maneirismos de sua arte, com os painéis cheios de panos de fundo dinâmicos (inspirados em mangás de ação) e muita expressividade na forma como conduz a narrativa. Apesar de se apoiar em uma boa ideia – heróis Marvel envelhecendo em tempo real – Zdarsky falha em dar profundidade na ligação que faz com o curso da História real.
Cada edição traz um desfecho óbvio, que em geral envolve uma grande tragédia totalmente sem sentido, como forma de trazer um falso tom maduro ao roteiro. Quando a história do Homem-Aranha tenta se relacionar com algum aspecto histórico, a trama se embola e cai em uma vala cheia de lugares-comuns. A Guerra do Vietnã, por exemplo, é mostrada novamente sob uma ótica reducionista, com o Capitão América atuando como um justiceiro na selva dos vietcongues (sério…). Já a Guerra Civil, saga que o Homem-Aranha teve participação importante, é incluída aqui como uma consequência do pós-11 de Setembro e a Guerra ao Terror do governo Bush.
Zdarsky colocou novamente Homem de Ferro como um “vilão” ao forçar o registro dos super-humanos, mas a rapidez como ele desenvolveu a defesa do personagem e suas intenções prejudicou bastante a história (além de render diálogos bem constrangedores de tão rasos). A última edição, passada nos anos 2010, começa promissora ao trazer Miles Morales à trama, mas é tosca por subaproveitar o personagem e colocá-lo como artífice de mais uma tragédia (sem querer dar spoilers, mas envolve o Doutor Octopus dominando o corpo do herói).
Como uma leitura escapista e sem muita expectativa, História de Vida até cumpre seu papel. Mas desde a ideia inicial, a proposta dessa HQ foi justamente o contrário. Talvez seja melhor deixar os super-heróis imunes ao tempo.
HOMEM-ARANHA – HISTÓRIA DE VIDA
De Chip Zsarsky e Mark Bagley
[Panini Comics, 212 páginas, R$ 64 / 2020]
Tradução de Mateus Ornellas
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