Starman – David Bowie: a Era Ziggy Stardust
Reinhard Kleist
Hipotética, 176 páginas, R$ 99,90. Tradução de Augusto Paim
David Bowie é uma das figuras mais impressionantes da música pop mundial. Mesmo após a sua morte em 2016, seu legado ainda continua movimentando a indústria cultural como a incrível exposição David Bowie is que percorreu o mundo mostrando as diversas faces do “camaleão do rock” e sua contribuição em múltiplos campos artísticos, da moda ao audiovisual. Essa veia criativa atravessou toda a vida de Bowie, mas foi em 1972, ao lançar o álbum The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars, que ele criou o personagem fictício Ziggy Stardust e o momento mais impactante e explosivo do início de sua carreira. E é justamente este o período abordado pelo quadrinista alemão Reinhard Kleist na HQ Starman – David Bowie: a Era Ziggy Stardust, recém lançada no Brasil pela Editora Hipotética.
O livro de Kleist é uma obra biográfica com um recorte temporal definido, mas que consegue ir além do formato tradicional esperado para este tipo de texto, graças a maneira como ele construiu a narrativa da HQ. Nela, o personagem inventado por Bowie, o visionário apocalíptico Ziggy, emerge da história não apenas como uma criação fictícia, mas como uma entidade viva, um alter-ego que se materializa e conduz a sua própria performance. Bowie e Ziggy atuam como se fossem parceiros agindo juntos, conquistando fãs e seguidores para ambos atingirem o estrelato e se tornarem famosos.
Do ponto de vista artístico essa escolha deu a Kleist a possibilidade de elaborar uma HQ que visualmente vai fundo no universo lisérgico e colorido de Ziggy, retratando as suas roupas extravagantes, sua aparência andrógina, enfatizando o discurso místico e as canções psicodélicas por ele protagonizadas e, ao mesmo tempo, recontar a trajetória mais real e menos onírica do próprio Bowie. Enquanto nos trechos onde Ziggy se sobressai, os desenhos de cores fortes simulam movimentos frenéticos para fazer o leitor se sentir como se a vida fosse um show sem fim, no cotidiano do músico, os traços são mais contidos, refletindo as contradições e impasses de um artista ainda buscando o seu caminho.
Nesta parte mais biográfica acompanhamos um percurso que não é muito diferente de tantos outros nomes da música pop que, pouco a pouco, têm suas relações com familiares e amigos transformadas na medida em que vão mudando o seu estilo de vida. Ela começa com um Bowie mais humano convivendo com seu irmão mais velho problemático, com os músicos das primeiras bandas que formou, até encontrar, em si mesmo, a personalidade de Ziggy Stardust, que lhe possibilitou o sucesso e a fama. É também o momento em que ele busca se aproximar de artistas que admirava como Andy Warhol e Iggy Pop, cuja influência em sua carreira é inquestionável.

Reinhard Kleist estrutura muito bem todas essas diferentes facetas de Bowie. É preciso lembrar que o quadrinista tem já uma certa experiência neste tipo de HQ contando histórias de músicos famosos, como pode ser visto em Johnny Cash: uma Biografia (Cash: I See a Darkness), sobre o cantor-compositor de música country norte-americano, de 2006, e Nick Cave: Piedade de Mim, de 2017. Essa habilidade levou Kleist a capturar não apenas como Bowie ficou ao longo dos anos dentro e fora do palco, mas também, a partir de seus desenhos, a transmitir o que é mais interessante sobre o músico. Ele acentua as diferentes fases com cores que traduzem o espírito dos acontecimentos narrados e se vale de traços mais cinéticos para capturar o poder das performances de palco, enquanto para a vida mundana usa tons suaves e desenhos neutros. E isto resulta num efeito muito interessante na composição da história.
O quadrinista certamente deve ter ficado feliz com o resultado alcançado, pois ler Starman é como se estivéssemos vendo um filme em nossa cabeça. De cara dá vontade de escutar “There’s a starman / Waiting in the sky…” E para os fãs de Kleist e de Bowie é bom saber que já foi lançada na Europa a segunda parte deste trabalho, Low: David Bowie’s Berlin Years, cujo conteúdo discorre sobre a permanência de Bowie, em Berlim, de 1976 a 1978.
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