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Guiada: Cultura popular segue viva nas novas gerações

Como novos artistas estão reverenciando as tradições musicais, desconstruindo estereótipos e trazendo referências contemporâneas

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–  Pífano segue vivo na empolgação de novos artistas com o instrumento

O que une uma jovem típica representante da geração Z, antenada e ligada nas últimas tendências do TikTok com um senhor nascido e criado numa região quilombola e ex-agricultor? Ou um jovem universitário estudante de música com um antigo servente de pedreiro? Ou ainda uma professora de artes com um adolescente de 14 anos viciado em redes sociais e em enredos de escolas de samba?

São todos mestres da cultura popular. E quando se encontram, seja para tocar um pife no mercado público, numa sambada de maracatu ou dentro de uma barraca de mamulengo não há qualquer tipo de distinção. As diferentes gerações da cultura popular convivem em harmonia e se unem na missão de levar arte para o povo e de não deixar com que as tradições sejam esquecidas.

Quando Denise Maria, mestra cabocla de maracatu, pega uma guiada e lança para frente abrindo os caminhos para a brincadeira passar, ela carrega uma energia ancestral de diversas outras mulheres brincantes ou não, mas que mantinham ligação e protagonismo dentro das culturas, como as bordadeiras, costureiras e percussionistas. Quando Thiago Medeiros, jovem mamulengueiro, briga na escola por aulas de arte que tratem sobre cultura popular ele está lutando por um reconhecimento das brincadeiras que aprendeu muito novo a amar.

Quando Naílson Vieira sai de casa, todas as manhãs, às 04h30 para pegar o ônibus com destino à Universidade Federal de Pernambuco, ele carrega consigo a energia de vários maracatuzeiros, toda uma tradição centenária que até pouco tempo atrás tinha pouco, ou nenhum, lugar nesse espaço acadêmico ou em qualquer lugar que fosse fora das plantações de cana-de-açúcar. Ainda, quando Vitória do Pife ia para a faixa de pedestres tocar seu pífano, levava consigo a trajetória de inúmeras mulheres que sempre foram protagonistas dentro das tradições, mas que eram silenciadas no período.

São pessoas diferentes, de idades, pensamentos, vivências e regiões diversas, mas que estão unidas pelo prazer de fazer arte e pela ligação ancestral com tradições muito antigas, repassadas oralmente de geração em geração até hoje. São jovens que, diferentemente da maioria, estão sempre dispostos a ouvir os mais velhos com uma escuta atenta e sensível. São mestres e mestras que apoiam o novo e entendem a importância de ter jovens revitalizando as brincadeiras para que elas sobrevivam ainda por muito tempo.

Se existe, arraigada, uma ideia de que as novas gerações tendem a negar o que foi feito pelas gerações anteriores – como diz aquele já conhecido jargão do senso comum de que uma geração nega a outra – até mesmo como uma forma de se reafirmar, dentro da cultura popular a verdade é que uma geração pode e quer continuar a anterior. Prova disso é a relação íntima entre os mestres e mestras de diferentes gerações, unidos pela preocupação geral de que as culturas não acabem.

Dentre as inúmeras tradições culturais originadas ou reinventadas no Estado, grande parte reflete a forte influência dos saberes de povos tradicionais, como quilombolas e indígenas, na formação cultural dos pernambucanos. E são expressões criadas e realizadas até hoje por representantes de atividades braçais, como o corte da cana, a construção de casas, empregadas domésticas e muitos outros. Ou seja, são expressões artísticas e festas das camadas mais populares do nosso povo.

Escolhemos três das inúmeras expressões da cultura popular de Pernambuco: O Pífano, o Mamulengo e o Maracatu de Baque Solto para relatar como as diferentes gerações de mestres se relacionam, quais as diferenças, os choques de uma geração para outra e o que permanece dentro desses brinquedos.  

Além da beleza envolvida em cada uma dessas expressões, elas simbolizam a pluralidade cultural pernambucana e também o fato de que muitas cidades do Estado orbitam em torno da arte, ainda que não se deem conta e nem valorizem isso. Um instrumento, um brinquedo e uma brincadeira tradicionais e centenárias do nosso Estado mostram relação umbilical das cidades com essas manifestações: Caruaru, capital do pífano, Glória do Goitá, berço do mamulengo e Nazaré da Mata, mundialmente conhecida como a terra do Maracatu Rural. 

Caruaru é uma verdadeira megalópole do Agreste pernambucano, abrigando inúmeras cidades dentro de um mesmo município. Reúne ao mesmo tempo o lirismo das cidades do interior, com a pressa e modernidade típicas de uma capital. Da mesma forma são inúmeras expressões da cultura popular que convivem em harmonia na cidade: forró, reizado, o cordel, o pífano e muitos outros. Já Glória do Goitá toda orbita em torno do mamulengo, adotado inclusive como bandeira pelo poder público municipal. Nazaré da Mata é terra de nada menos do que 18 sedes de maracatu de baque solto, a brincadeira está no sangue e é naturalizada no cotidiano de todos os moradores do local.

Nos interessa entender como essas cidades se relacionam com a cultura popular e a importância das manifestações dentro dessas regiões. Além de compreender qual o fio que une um antigo agricultor ou um ex-servente de pedreiro a um jovem estudante de música da Universidade Federal de Pernambuco e aos representantes da novíssima geração Z.

Será algo ancestral? Uma preocupação em comum? E quem são esses jovens mestres? O que os levaram até essas brincadeiras? 

Sempre mantendo um olhar especial para o atual protagonismo feminino e a invisibilização do papel da mulher nessas culturas, tentaremos entender quem vai dar continuidade à tradição cultural que forma a identidade do nosso estado e salvaguardá-la do esquecimento. Com os olhos e ouvidos atentos ao passado, o presente é o futuro da cultura popular. Porque só assim conseguiremos entender por onde seguem essas tradições tão características do povo de Pernambuco.

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Pífano segue vivo na empolgação de novos artistas com o instrumento

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Esta reportagem foi produzida com apoio do edital Acelerando Negócios Digitais, do ICFJ em parceria com a Meta.