Grande Sertão
Guel Arraes
Brasil, 1h48. Gênero: Drama/Ação. Distribuição: Paris Filmes.
Dirigir a releitura de uma obra já tão conhecida é um desafio massivo e denso. São vários os caminhos a serem trilhados e muitas decisões que irão determinar se aquela obra é ou não inovadora. A chance do resultado ser um esforço pouco provocante é grande até demais. Há quem prefira uma nova versão não tão nova assim – que seja segura, firme, previsível. É interessante quando observamos esse ato de “ir além”.
Para que serviria uma releitura de algo já tão lido? Surge, de fato, a necessidade de um novo olhar, um novo ponto de vista. Basta que seja feito com propósito. Caso contrário, não passa do desejo pelo destaque.
Aqui, falamos de Grande Sertão: Veredas, romance de Guimarães Rosa de relevância inegável e de impacto estrondoso na literatura brasileira. Até então, a obra só teria sido adaptada duas vezes: No cinema com Grande Sertão (1965) e para a televisão na minissérie Grande Sertão: Veredas (1985), produzida pela Globo.
Surge o desafio. Guel Arraes, diretor recifense já tão conhecido e respeitado por trabalhos como O Auto da Compadecida e Lisbela e o Prisioneiro, assina Grande Sertão com seu clássico toque de teatralismo. O roteiro é uma colaboração com Jorge Furtado. Nesta nova versão, o sertão agora é encarado como uma favela distópica, cercada por grandes muros. Há um conflito constante entre a polícia e a facção liderante.
Em uma comunidade marcada pela violência e pelo crime, a vida de Riobaldo (Caio Blat), um professor íntegro, se entrelaça de forma perigosa com a de Diadorim (Luisa Arraes), jovem integrante do crime local. Amigos de infância, Riobaldo e Diadorim trilharam caminhos distintos, mas nunca se desvincularam emocionalmente. Dominado por um amor secreto e efervescente por Diadorim, Riobaldo é arrastado para o mundo do crime.
Viver é muito perigoso.
É interessante o novo olhar e o tom em que Guel Arraes opta por retratar o clássico. Nos primeiros momentos, somos surpreendidos pela nova ambientação do sertão. Funciona, mas não deixa de lado o flashback de estarmos, mais uma vez, observando uma obra voltar-se para cenários que nos relembrem tanto Rio de Janeiro ou São Paulo.
O destaque é, como de esperado, a interpretação teatral a força dos diálogos fiéis ao que Guimarães Rosa escreveu. Em alguns momentos, escapa do que cabe dentro de uma telona. As vozes lutam entre si para dominarem a cena.
É inegável que Caio Blat esteja, aqui, desempenhando a melhor interpretação de sua carreira. Passeia com maestria entre as cenas do jovem professor Riobaldo e os momentos em que, já mais velho, conversa com o espectador. A sua projeção é precisa e, na mesma intensidade, inovadora. Cativa o espectador.
Quanto ao papel de Luisa Arraes, é pouco convincente o que acompanhamos de Reinaldo. Prende-se muito na tentativa de transbordar a cena, o que deixa apenas uma versão tão mais caricata do que já é. Apesar destes pontos, é tocante o momento em que Riobaldo descobre a verdadeira identidade de Diadorim.
Funcionam bem as atuações de Rodrigo Lombard como Joca Ramiro e Luis Miranda como Zé Bebelo. Destaque para Eduardo Sterblitch em cena como Diabo.
Ao fim, é um tanto frustrante termos visto de tão perto apenas o conflito entre a polícia e a facção. A obra utiliza de personagens momentâneos que representam a dor quando convém. Como por exemplo, Otacília, interpretada lindamente por Mariana Nunes.
Outro ponto forte de Grande Sertão é a fotografia precisa, dirigida por Gustavo Hadba. Os efeitos especiais desempenham um papel importante em retratar a realidade distópica da obra, bem como o uso de cores e planos que aproximam o espectador dos personagens e dos cenários em que estão envolvidos.
Grande Sertão traz consigo uma nova perspectiva de uma história já tão familiar para o público brasileiro. Aposta em caminhos interessantes e confia nas interpretações propositalmente exageradas. Poderia ter melhor desempenhado os aspectos que mesclam a narrativa com o universo que está sendo retratado, mas entrega um bom resultado.
Confira o trailer: