Deize Tigrona, dona do hit “Sadomasoquista”, é cantora de funk, compositora e foi uma das primeiras funkeiras a falar sobre sexo e desejo feminino nas músicas. Há mais de 20 anos, ela vem transformando o ritmo com suas músicas com temas que vão do cômico ao erótico. “Não saberia explicar esse incômodo das pessoas em relação às letras musicais com sexo”, dispara a artista.
Recentemente, Deize lançou seu terceiro álbum intitulado Não Tem Rolê Tranquilo, com participações de Boogarins, Larinhx, Badsista, Iasmin Turbininha e KD Soundsystem. Para a artista, a produção é uma resposta aos “rolês da vida”, sejam eles bons ou ruins, públicos ou secretos.
Depois de uma elogiada e esgotada tour europeia em 2023, Deize Tigrona voltou ao Brasil no ano passado, bastante mexida com o tanto de referências novas e conexões feitas por lá. “É uma insistência minha de querer o funk na Europa, a minha gana é conquistar o mundo”, completa Deize. “Não hesito em ficar parada e isso me leva para outros territórios. Eu já tinha outros feats. com uma galera de fora, conexões que me ajudaram a dar a cara à tapa. De algum jeito eu quis trazer essas vivências também pro Não Tem Rolê Tranquilo”, explica a cantora.
Deize Maria Gonçalves da Silva, a Deize Tigrona, entrou no baile e deu voz ativa às mulheres em movimento pioneiro no universo do funk carioca. O feito foi realizado dez anos antes de Anitta e Ludmilla gravarem as suas primeiras músicas.
Projetada com o funk “Injeção” (2002), já com o nome artístico de Deize Tigrona, a cantora e compositora carioca viveu período áureo ao longo dos anos 2000, período em que inclusive extrapolou as fronteiras do Brasil até ser injustamente esquecida a partir de 2012. Até por isso a edição do EP Foi eu que fiz é celebrada pela artista como a coroação da retomada iniciada há três anos com o lançamento do single “Vagabundo” (2019) e, em seguida, impulsionada pelo sucesso de “Sadomasoquista” (2021). “A minha cabeça é música, é arte, de um jeito que me surpreende e fico surpresa comigo mesma”, detalha.
Em entrevista exclusiva à Revista O Grito!, Deize Tigrona dá mais detalhes sobre o novo projeto, fala sobre inspirações e a carreira. Confira!
De onde surgiu a ideia de produzir o Não Tem Rolê Tranquilo?
A ideia de produzir “Não Tem Rolê Tranquilo” surgiu devido a essa questão de ampliar o satélite para festivais. Ouvi muita gente falando sobre isso e achei que deveria atualizar as músicas na minha obra para poder estar nos festivais.
O seu novo álbum traz bastante colaborações. Como você gosta de trabalhar nessas parcerias e como esses artistas influenciam seu trabalho?
Gostar de trabalhar nessas parcerias. É uma coisa que me leva a outro parâmetro e a outra questão de gêneros também. E amo a galera que escolhi, curto muito o som. Badsista, Larinhx, Iasmin Turbininha, Boogarins. Nossa! O pessoal do KD Soundsystem – que é da Holanda, eu já tinha feito trabalho com eles em 2019 – então, é diferenciado. Me vi nessa necessidade e gosto do ritmo do pessoal.
É uma insistência minha de querer o funk na Europa, [mas] a minha gana é conquistar o mundo. Não hesito em ficar parada e isso me leva para outros territórios. Eu já tinha outros feats com uma galera de fora, conexões que me ajudaram a dar a cara à tapa. De algum jeito eu quis trazer essas vivências também pro Não Tem Rolê Tranquilo.
Você é cantora, compositora, artista visual, fez teatro. Ou seja, você se expressa artisticamente de muitas formas. Como é ser multiartista, Deize? Como transita por essas diversas linguagens?
Fiz teatro, mas não fiquei muito tempo. Tentei moda também, modelo passarela, mas não tive padrão e nem grana também. No teatro faltou dinheiro. Mas, nossa, quem dera hoje se eu pudesse. Essa insistência na arte é uma coisa realmente de resistência, de querer a mudança de vida mediante a arte.
Na minha época, não pensava nem nesse lance de mudar minha vida perante a arte. Porque tinha o intuito de lançar um EP, mas eu vi que não ia conseguir. Então, botei na minha cabeça que não ia conseguir, mas não desisti. Hoje, sou uma artista múltipla, plástica, visual, tudo… Mas me pego ainda querendo vagar mais, explorar e ampliar isso. Inclusive, estou realizando um sonho agora, que não vai ser um bom rendimento financeiro, mas vai ser bem satisfatório para mim.
Hoje, me sinto uma pessoa comum e amo as artes. Adoro estar no meio das pessoas, estar em espaço que achava que não era o meu. Me vejo uma pessoa tímida, mas consigo ainda ter confiança no próximo e, principalmente, nos artistas que se identificam comigo, em artistas que não me conhecem e ficam surpresos quando me conhecem pessoalmente. A gente se sente especial, mas isso é devido à minha persistência, de não ter desistido, então fica fácil.
Quais são as suas motivações para compor?
Minha motivação para compor é a empolgação do público, principalmente, de estar no meio da galera, histórias que já ouvi, outras que andam acontecendo e também histórias minhas. Eu, sinceramente, não sei explicar concretamente em relação a isso porque a minha cabeça é música, é arte de um jeito que me surpreende e fico surpresa comigo mesma.
Deize, na sua opinião, por que trazer o sexo como tema nas letras da música, da poesia, ainda gera incômodos para algumas pessoas? E isso parece ser mais forte quando parte do viés do desejo feminino. Como é que você vê isso?
Não saberia explicar esse incômodo das pessoas em relação às letras musicais com sexo. Sexo seria… Ai, ai [suspira e ri em seguida] meu lema. Principalmente por ser mulher e não poder ter esse tipo de conversa com meus pais e familiares. Hoje, falo com meus filhos abertamente sobre o assunto e até xingo. Sou abertamente assim com meus filhos, mas não entendo ainda a cabeça das pessoas em relação a isso, principalmente por ser mulheres falando. Eles deviam se intitular de uma outra forma, ouvir mais, ser mais delicados e ser sensíveis, mas sempre levam para o outro lado. Acho que são desejos ocultos que eles desejam, mas não tem a coragem da falar e isso espanta quando alguém fala, principalmente uma mulher.
Deize, se hoje a gente vê mulheres – e a gente quer ver mais, sobretudo mulheres pretas – no funk, não tem como não mencionar nomes como o seu, o da Tati Quebra Barraco e o de Valesca Popozuda. Como é estar nesse lugar e fazer parte da história da música brasileira?
Realmente, não tem como não mencionar as meninas. E óbvio, a gente – eu como mulher principalmente – quero que venham mais e mais. Eu estou impressionada com as meninas: Duquesa, Nina, Max Júlia. Nossa! é o épico pra mim, muito bom! E legal que a Júlia também veio e falou: “Caralho, a Deize Trigona!”. E eu falei assim: “Ai meu Deus!”. Fico olhando para elas como uma espécie de filhas e é impressionante, juro!
Vão vir muitas porque a gente não está nesse mundo para brincadeira e a favela tá entendendo que a arte muda, realmente transforma a vida da pessoa. Muda a cabeça da gente e também o jeito, e, querendo ou não, influencia de alguma outra forma, melhora a vida.
Quais foram os seus compositores e compositoras favoritas?
Amo Leci Brandão, Alcione, Dudu Nobre, Zeca Pagodinho como compositores. O Arnaldo Black, que compõe para a Tetê Espíndola. Nossa, quero compor com ele! Amo as letras de Marília Mendonça. E sou louca, não sei como explicar, por Rita Lee, Lulu Santos… porra, são vários! Tem também Cartola. Sou amante do rock antigo como Biquíni Cavadão, Frejat, Dra. Silvana & Cia, Mamonas Assassinas… é muita gente!
Deize, o funk é uma música que vivenciou o preconceito musical e também o racismo. Enquanto artista, como você vê o funk hoje?
Ainda há o preconceito do racismo no funk, principalmente, porque a maioria das pessoas que acabam dando a canetada no funk são pessoas pretas da favela. Então, ainda soa realmente como proibidão. Quando o funk desce para asfalto, o gringo vem e dá aquela calibrada, leva para Europa e tudo mais, e volta com outro estigma.
A gente tem o ego de fazer acontecer. E ego porque “foi eu que fiz”, vamos dizer assim. Mas quando vai lá para fora e volta, é outra visão, outra linguística. Para muitos, o ritmo ainda é coisa de preto e favelado. Afirmo isso porque ainda tenho que explicar o que é o funk, mulher preta cantando funk, que mulheres ainda falam de sexo no funk. E isso é visível, pois há preconceito quando é uma mulher preta falando de sexo, mas não quando é uma mulher branca.
Atualmente, você trabalha somente com música?
Agora estou trabalhando com música, artes plásticas e, atualmente, querendo fazer uma ocupação sonora. Pedi demissão da Comlurb [Companhia Municipal de Limpeza Urbana da Cidade do Rio de Janeiro] pelas artes. Meus filhos estão grandes e preciso viver o meu sonho. Estou nas artes hoje, graças a Deus. Pedi demissão pelas artes e pela minha saúde, principalmente.
Dos seus maiores sucessos, queria que você contasse a história de Monalisa, tanto na composição quanto o que essa música lhe remete.
“Monalisa”, ai meu Deus [suspira]. “Monalisa” é uma escrita de vivências, decepções amorosas, artes plásticas e sobrevivência. Essa semana ainda me peguei chorando ouvindo essa música. Eu nunca tinha sentido tanto! Acho que bateu um gatilho aí. Gente, eu poderia dar detalhes em relação a ela, mas seria algo mais íntimo. Essa música me remete à minha sensibilidade, não só às artes plásticas no que eu faço, mas no amor, numa paixão mal resolvida. “Você me magoou, você foi duro e frio” [cantarolando].
Ouça Deize Tigrona – Não Tem Rolê Tranquilo.
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