AS VOZES DE CAROL
Aposta entre os jovens autores da literatura brasileira, Carol Bensimon fala como deu vida própria aos personagens de Sinuca Embaixo D’Água, seu primeiro romance
Por Paulo Floro
A gaúcha Carol Bensimon, 26, começou o processo de criação de seu romance de estreia, Sinuca Embaixo D’Água (Companhia das Letras) como parte da dissertação de seu mestrado. O livro fala de sete jovens que narram um momento de luto, quando Antônia, uma garota nos seus vinte anos morre num acidente de carro. “Junto com ele, havia um artigo sobre o que chamei de ‘personagem ausente’. É curioso ir para uma banca de dissertação com o formato romance + parte teórica, e obviamente os professores não estão habituados a isso”, escreveu em seu blog making off sobre a obra. Pode parecer um típico romance sobre a passagem para a idade adulta, mas a autora já mostra um domínio da técnica narrativa. Seus personagens, em certo momento, parecem velhos conhecidos.
Atualmente morando na França para concluir um doutorado na Sorbonne Nouvelle, a autora ganhou repercussão positiva com seu primeiro romance. A narrativa polifônica mostra peculiaridades de cada personagem, traduzindo como cada um reage na ausência de Antônia. É delicado – e curioso – como Carol deixa esses personagens fluírem na leitura e ao mesmo tempo nos deixa uma sensação de pesar e melancolia no decorrer das páginas. Ao contrário do que uma primeira leitura possa acusar, ela não está tentando refletir nem discutir sobre o sofrimento, mas talvez como cada indivíduo reage à perda. É um livro sobre sobrevivência emocional.
Meio sem querer, Carol talvez tenha criado um romance de geração, já que seus personagens são contudentes, existencialistas, refletem o panorama de uma juventude em busca de sentido. Sem falar nas diversas referência pop. Nesta entrevista para a Revista O Grito!, Carol fala sobre suas experimentações, as oficinas literárias da qual fez parte e sobre seu novo romance. Ela ganhou a bolsa de criação literária da Funarte, ano passado.
Os personagens de Sinuca Embaixo D’Agua causam muita empatia com o leitor. Dá impressão que você os conhecia bem. Como foi o processo de criação para este livro?
Os personagens nasceram como tipos, algo bem esquemático mesmo, o típico de coisa que você diria sobre eles na sinopse do livro. A medida que a ideia do romance evoluiu, eles foram crescendo também, foram sendo “recheados” com episódios de suas vidas, características de suas personalidades e etc. Não sei explicar como acontece. Muitas vezes, estou caminhando e então tenho que parar para fazer uma anotação, porque acaba de me surgir um bom pensamento para tal personagem. Foi assim com o Sinuca embaixo d’água, e não somente antes de começar a escrever, é claro, mas também durante o processo. Ir escrevendo me fez descobrir a voz de cada um, e também suas maneiras particulares de encarar as coisas. Sobretudo para um romance assim, com vários narradores, era fundamental que cada personagem tivesse a sua própria visão de mundo, e não que todos compartilhassem a minha, por exemplo.
Você participou da oficina de Assis Brasil, uma das mais requisitadas do País. E muito está sendo discutido sobre esse “diploma de autor”. O que você acha disso?
Não consigo entender alguém que se oponha a uma oficina, acho que não faz sentido. Não dá para acreditar que na oficina se operam milagres, é claro, mas, aquele que já tem alguns dos componentes tão subjetivos para se tornar um bom escritor e se, além disso, fizer uma oficina, bem, acho que ele só tem a ganhar. Aqui na França, a ideia da formação de escritores não é bem vista, e as oficinas que existem passam bem longe da universidade: são para senhoras aposentadas ou coisas do gênero. Ao mesmo tempo, aceita-se, em qualquer país do mundo, que existam graduações e pós-graduações em música ou artes plásticas. Parece contraditório.
Nos últimos anos, a literatura se aproximou bastante da universidade. Acredita que escrever possa ser fruto de uma “formação”?
A literatura está perto da universidade há muito tempo. O que estava distante dela (da universidade) era a figura do escritor, isso sim. E agora muitos escritores estão seguindo carreira acadêmica, eu mesma sou uma delas: estou em Paris, fazendo um doutorado na Sorbonne Nouvelle. Mas isso nada tem a ver com meu ofício de escritora, quer dizer, são atividades complementares, no máximo. Meu orientador mal sabe que sou escritora.
O que a oficina te trouxe de melhor?
Convidar à reflexão já é algo bastante relevante por si só. A oficina não deu regras; ensinou a analisar. Ou pelo menos é assim que funciona a oficina do Assis Brasil. Sobre as outras, não posso responder. Além disso, é um bom caminho para conhecer outras pessoas que também estão a fim de escrever. Independente disso, eu tenho minhas restrições com oficinas. Escrevi um artigo sobre isso revista eletrônica Cadernos de Não Ficção #2.
Beneficiada por uma bolsa de criação literária, acredita que iniciativas assim ainda são escassas no Brasil?
Na verdade, acho que são suficientes. O que quero dizer é que manter o que já existe (por exemplo, bolsas da Funarte, da Petrobras), me parece de bom tamanho para o lugar que a literatura ocupa no país. Sempre há uma brincadeira entre os escritores que conheço, que é dizer que no Brasil existe mais escritor – ou gente querendo ser – do que leitores. Talvez a urgência maior seja mudar isso.
No que você está trabalhando no momento?
Estou no segundo ano de um doutorado em Literatura Comparada na Sorbonne Nouvelle. Recentemente, traduzi uma coletânea de novos autores franceses para a Editora Sulina, e eventualmente colaboro com alguns veículos do Brasil. Nessa última semana, comecei a escrever meu próximo romance.
Ainda sobre seu exercício de criar, onde você coleta ideias e referências para escrever? O que te incita?
As ideias vem de todos os lugares. Da própria literatura, da música, do cinema, e sobretudo de observações. Alguns dizem que sou bem quieta (o que não é sempre verdade). Pois tem a ver justamente com isso; eu mais observo e analiso do que falo.
Em Sinuca Embaixo D’Agua, existem várias vozes, mas o personagem mais importante não está mais lá, porque já está morto. A ideia da polifonia já era sua proposta desde o início?
Sim, desde o início, e todo o resto partiu daí, porque o objetivo com essa polifonia era justamente mostrar o modo como uma morte banal dessas afeta uma série de pessoas – e de que há vários graus de afetação, desde a dor profunda de um irmão, até o choque temporário de uma testemunha do acidente, ou a simples do compaixão de alguém que nada tem a ver com isso.
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Paulo Floro é editor da Revista O Grito!