Carlos Diegues, ou Cacá Diegues como era mais conhecido, foi um dos cineastas mais profícuos do cinema brasileiro com uma carreira de grandes sucessos de público e crítica e filmes que se tornaram emblemáticos em nossa cinematografia a exemplo de Ganga Zumba (1964), A Grande Cidade (1966), Quando o Carnaval Chegar (1972), Xica da Silva (1976), Chuvas de Verão (1978), Bye Bye Brasil (1979), Dias Melhores Virão (1989), Tieta do Agreste (1996), entre outros. E é essa trajetória de dedicação à sétima arte comprometida com um profundo sentimento de brasilidade o mote do documentário Para Vigo Me Voy de Lírio Ferreira e Karen Harley, exibido na noite desta terça-feira na 16º Janela Internacional de Cinema do Recife.
O documentário de Lírio e Karen tem as mesmas cores do Cinema Novo, do Tropicalismo, do sertão, do mar e das florestas do Brasil fulgurante testemunhado e recriado pelas câmeras de Cacá Diegues. A obra completa do cineasta tem luz própria e estabeleceu uma marca inconfundível na imagem do país. E para abraçar e contar quem foi o criador incansável de tantos filmes originais e representativos de nossa cultura, os diretores mergulharam no universo do artista de forma intensa e apaixonada.
Para Vigo Me Voy – o jargão dito por Lorde Cigano nos shows da Caravana Holidei, o personagem vivido por José Wilker, em Bye Bye Brasil – é uma homenagem justa e muito bem construída do trabalho de Cacá Diegues desde seus primeiros passos, que tem como marco mais conhecido desse início a participação no clássico Cinco Vezes Favela (1962) com o episódio “Escola de Samba Alegria de Viver”.
O documentário é um primor de pesquisa, sobretudo na garimpagem de antigas entrevistas e de cenas dos bastidores de filmagens que, ao serem articuladas, levam o espectador a conhecer com profundidade o pensamento cinematográfico do cineasta e, mais ainda, a evolução estética do cinema brasileiro.
Nesse trajeto vamos tomando contato com o que Cacá Diegues produziu durante o movimento do Cinema Novo, do qual ele foi um dos expoentes, e como, a partir de então, foi construindo sua filmografia na qual se sobressai a elaboração de personagens que encarnavam e retratavam os desejos, as lutas e a busca pela liberdade que estão enraizadas no espírito do povo brasileiro. O documentário de Lírio e Karen revela como nos filmes de Diegues a paisagem, a poesia, a música – um elemento fundamental em todas as suas narrativas – se conjugam em espetáculos capazes de encantar, emocionar e ao mesmo tempo questionar as contradições e as rachaduras de nossa história e do tecido social que a compõe.
Para as pessoas mais velhas e de gerações quase contemporâneas a Cacá Diegues, que faleceu em fevereiro deste ano, inevitavelmente, ao adentrar no campo da memória e da reconstrução de um passado nem tão longínquo que o filme evoca é impossível não sentir saudade de um Brasil que está ficando para trás. Uma das sequências mais comoventes de Para Vigo Me Voy é de um almoço na casa do cineasta, já com a idade bem avançada, onde estão reunidos amigos, e entre eles, cineastas, atores, músicos que com ele trabalharam em seus diversos filmes e atravessaram os anos da ditadura militar, da redemocratização do país e da retomada do cinema brasileiro.
O documentário de Lírio e Karen é bonito, tem um bom ritmo, uma trilha cativante, mas a escolha de uma narrativa tradicional seguindo uma certa ordem cronológica, apenas com pequenas quebras, e tendo como marcas os filmes realizados por Cacá Diegues, acaba impondo uma certa monotonia. Embora o formato escolhido seja eficiente na ordenação dos temas que os filmes evocam, por ser uma filmografia muito extensa, no final ele soa repetitivo.
Um outro senão é que, apesar de entendermos que o filme é uma saudação ao artista e a sua criatividade e indiscutível relevância, o fato de não aparecer indagações ou questionamentos discordantes sobre os filmes e sua recepção, afasta a possibilidade de vermos um cineasta mais real e que, como qualquer ser humano, nem sempre foi tão perfeito, assim como seus filmes.
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