Marcos (Igor Mo), o personagem principal de Nem Deus é Tão Justo Quanto Seus Jeans, exibido no Janela Internacional de Cinema no último sábado (1º), sofre de depressão, causada em parte pela morte repentina de seu ex. Afastado do emprego como bibliotecário por licença médica, ele vivencia a doença enquanto lida com um novo relacionamento. Tudo isso em meio ao caos urbano da capital paulistana.
O trabalho de estreia de Sérgio Silva traz um personagem bastante reconhecível nos dias de hoje, sobretudo pelo fato da saúde mental ser hoje vista como um problema de saúde pública relevante. O filme, no entanto, atualiza essa temática para o campo dos relacionamentos LGBTQIA+, sobretudo do homem gay dos 30 em diante. Solidão, afetos, tédio, sexo, tudo é retratado aqui com muita sensibilidade, o que cria diferentes pontos de contato com a plateia.
O filme traz um ritmo lento que busca mimetizar em tela o estado depressivo, a luta para fazer coisas simples do dia a dia, a apatia, o tempo que parece suspenso. Já na primeira cena vemos o protagonista deitado, nu, com um curativo que dá indícios de uma recente tentativa de suicídio. Isolado em casa com o seu novo namorado, Gabriel (Fernando Victor), Marcos não consegue sair de casa e passa os dias a fumar e tomar café. Tudo muda quando sua irmã mais velha (Julia Katharine) pede que ele cuide por alguns dias de sua cadelinha, Baby.

Esté o ponto em que o filme muda de narrativa e passamos a acompanhar a gradativa evolução de Marcos na relação com o animal, que passa de uma indiferença a uma relação de amor. É o cãozinho que serve de incentivo para que o personagem avance na melhora. Aliado a esse processo de cura temos a terapia com uma psicóloga intensa e provocativa, que grita e xinga, interpretada por Gilda Nomacce. A partir daqui, o longa também começa a adquirir leveza e algum humor.
Em alguns aspectos, Nem Deus é Tão Justo Quanto Seus Jeans, é um filme quase documental. Registra as inquietações e falta de perspectiva do Brasil pós-pandêmico. Há demarcações históricas em diálogos que nos lembram o tempo todo em que momento estamos (“a morte de Gal”, “eleição de Bolsonaro”, etc). Mas, em geral, o filme gravita em torno de seu protagonista e sua autopiedade e lamúrias. O mundo parece girar em torno dele. Mas, em vez de criarmos uma conexão e empatia por esse personagem, o modo como a direção conduz o filme termina por alienar a plateia.
A razão para isso talvez seja o tom existencialista do filme, que busca epifanias e reflexões que se pretendem grandiosas, mas são rasas. Tudo é dito de uma maneira pouco natural, com diálogos longos, explicativos, com excesso de frases de efeito. Essa autocondescendência se torna a tônica do filme, que nunca consegue se aprofundar nas temáticas que se propõe. Os coadjuvantes são meros acessórios, sem nuances, sempre dispostos a servir como uma muleta narrativa no percurso de análise de Marcos e sua tentativa de superar a depressão.
Se abraçasse com avidez o nonsense, talvez o filme tomasse um rumo interessante. Isso é ensaiado no momento em o fantasma do ex-morto aparece na história. Mas também não há desenvolvimento algum para ele, nem mesmo uma narrativa. Ele está ali apenas para interagir com devaneios do protagonista. Quase um monólogo. Outro ponto forte do filme, também no terreno do absurdo, é a utilização de Mariana Ximenes como a versão humana de Baby.
A aridez dos diálogos, a falta de naturalidade e o ritmo do lento do filme até dão a impressão de que a duração é bem mais longa do que parece. São 73 minutos que parecem bem mais.
O ator Igor Mo faz um bom trabalho dando vida ao protagonista e entrega uma atuação com camadas e nuances. Há momentos de close em que é possível ver uma entrega pensada nos detalhes. Mas sem um bom texto, o resultado final acaba sendo prejudicado.
Sérgio Silva é um diretor promissor e um dos nomes da atual safra do cinema LGBTQIA+ para ficar de olho. Suas ideias originais e o desafio de retratar um tema tão atual são louváveis. Este é seu filme de estreia, depois de três curtas elogiados. Curioso para seguir seus próximos passos.
Cobertura Janela de Cinema 2025

