Copia de Copia de Post Noticias 3
(Divulgação)

Papo com Daniel Ribeiro e Artur Volpi, de “13 Sentimentos”: “a gente se idealiza nesse mundo virtual e vende uma versão de nós mesmos”

Quase uma década após o sucesso de "Hoje Eu Quero Voltar Sozinho", Daniel Ribeiro retorna com uma comédia que retrata questões comuns na vida de homens gays

13 Sentimentos é filme mais recente do diretor Daniel Ribeiro, que também está por trás de Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, um dos filmes LGBTQIA+ mais bem recebidos dos últimos tempos, principalmente por sua delicadeza ao tratar de um assunto como a autodescoberta.

Uma década depois, Ribeiro retorna com 13 Sentimentos, uma comédia que aborda questões bastante comuns na vida de homens gays das grandes cidades. Aplicativos de relacionamento, busca por novas experiências sexuais, pornografia, relações que estão constantemente começando e acabando, questões psicológicas, problemas com trabalho. Todos esse elementos fazem parte da vida um tanto complicada do protagonista João, interpretado por Artur Volpi.

Em uma conversa com a revista O Grito!, Daniel Ribeiro e Artur Volpi falam sobre como suas experiências pessoais construíram também alguns elementos do filme, sobre as reflexões que o filme traz sobre os efeitos do apps de relacionamento na própria maneira que nos relacionamos e sobre as críticas que apontam uma falta de diversidade entre os corpos representados no filme e mais. Confira o papo na íntegra!

Assista ao trailer de 13 Sentimentos

Daniel, o filme tem um tom autobiográfico em relação ao término de um relacionamento seu. Como foi o processo de transformar essa história tão pessoal e colocar em um filme que vai ser assistido por pessoas no país todo?

D: Como não é totalmente biográfico, eu misturo, vou pincelando algumas coisas, e a brincadeira do baseado em sentimentos reais é um pouco isso, pegar os sentimentos que eu tive nessa época, é uma coisa que acho que ajuda um pouco, porque eu falo, “não estou contando a minha história aqui”, eu estou contando experiências, enfim, reflexões. Eu acho que também tem isso, [o roteiro] é construído após eu ter vivido tudo isso, então eu tenho consciência melhor do que aconteceu, do sentimento que eu tive. O processo foi meio esse: primeiro ter vivido tudo e ter feito isso [o roteiro] muito depois, não ter feito na época, e ter usado mais essas pequenas experiências e coisas que aconteceram. Eu falo até que eu roubo coisas de relacionamentos anteriores, não é uma coisa linear, de uma vivência daquele momento. É o ponto de partida que eu acho que é mais biográfico né? Eu terminei o relacionamento de dez anos e entro nos aplicativos, e aí que acontece, como você lida com isso. Virou uma mistura de coisas ali.

Essa questão dos aplicativos e os comportamentos que João apresenta no filme é algo que é muito fácil de se relacionar, principalmente quem é solteiro. E aí, Artur, queria saber se você já esteve no lugar do João e se isso te ajudou a entender o personagem, trazer ele para você.

A: Eu nunca tive, nem no sentido de um fim de um relacionamento muito longo, e nem muito no sentido de, desesperadamente, [querer] achar alguém nos aplicativos. Me identifico com o João nessa resistência dele de se submeter aos apps de relacionamento para encontrar alguém. Eu não me sinto muito à vontade também, sempre preferi construir minhas relações mais a nível pessoal mesmo. Acho que o ponto de identificação com o João é mais nesse sentido do que na situação mesmo, porque ele, ainda resistindo, adere ao aplicativo e tenta fazer isso dar certo, mas eu nunca passei pelo menos por uma situação parecida.

O filme faz uma reflexão sobre performance e isso se alinha com reflexões sobre como esses aplicativos estão sempre nos direcionando a montar uma imagem que pode “comprada” ou selecionada pelo outro. Vocês já tinham tido reflexões sobre isso antes do filme? 

A: Eu acho que eu tenho consciência de que isso acontece nos aplicativos e nas redes sociais também, o quanto a gente mostra uma vida que não é necessariamente a vida real, a gente se idealiza nesse mundo virtual e vende uma versão de nós mesmos, que nem sempre condiz com a realidade. Mas acho que o não usar os aplicativos diz mais de uma dificuldade minha de me conectar por esse caminho. Me sinto mais confortável por outros meios.

D: Eu sinto que tem uma coisa também, de discussão de Twitter, de rede social em geral, o filme pega um pouco disso, das pessoas muito insatisfeitas, eu acho, você vê todo mundo falando sobre essa infelicidade dos aplicativos, porque todo mundo vira só uma foto, e aí acho que todo mundo trata os outros como foto, mas ninguém quer ser tratado como foto, então a gente tem que reequilibrar isso, o filme também propõe esse reequilíbrio de alguma maneira, que é tipo, “gente, tem que todo mundo compreender que todo mundo faz parte do problema de alguma maneira, né?” acho que tem um pouco isso, o filme pincela isso de alguma forma.

E tem uma coisa da performance que eu acho que é da questão até mais sexual, principalmente agora com essa pornografia amadora, das próprias pessoas gravando, e você vê uns vídeos muito engraçados das pessoas realmente performando para a câmera. A pessoa não está tendo prazer ali, ela está performando. Se a pornografia tradicional, vamos chamar assim, já era uma performance, mas dirigida por alguém, tinha uma outra lógica, agora a gente vai para uma pornografia amadora que ela não capta o amadorismo, ou a realidade, né? Porque, [teoricamente] se você está se gravando transando, de verdade, tá tendo prazer, mas não; aí escolhe o ângulo certinho, olha para a câmera. Então também o filme comenta um pouco isso de alguma maneira; que eu acho que é tipo: se é para fazer pornografia, que seja mais uma pornografia amadora que incorpore a naturalidade da coisa, né? E eu acho que isso também estimula as pessoas que assistem aquilo 

Até a formação sexual, na maioria das pessoas, dos homens [hétero], os gays também, vêm da pornografia, né? E as referências são sempre muito essas: ou de uma performance louca, ou, agora, uma performance estética; “Estou transando no ângulo certo, com a luz certa” e não do tipo “vamos ser felizes, vamos transar com prazer, com conexão com outro, , olhando para o outro”, porque você esses vídeos que a pessoa está olhando para a câmera, não para a [outra] pessoa, e acho que é um pouco isso, e acho que a nossa cena de sexo no filme também tenta apontar para esse caminho. 

Copia de Imagem post padrao 4 1
Marcos Oli, Julianna Gerais e Artur Volpi formam um trio de amigos no longa (Divulgação)

Desde que o trailer foi lançado, houve uma repercussão na internet a respeito dos corpos apresentados no filme, criticando a falta de diversidade, até sendo chamado de “filme de gay padrão”. Como vocês lidam com essas reações? Estavam esperando algo do tipo? 

D: Não do jeito que foi, acho que eu não esperava isso. Mas como o filme não é, a gente ficou tranquilo porque a gente” falou que o filme não é isso que as pessoas estão vendo no trailer”, né? Então a gente relaxou um pouco e acho que algumas pessoas estão vendo o filme e estão se sentindo, não todas, porque teve uma coisa do trailer, que era muito engraçada, que cada um viu uma história ali. E tinha críticas que [diziam] “ah, eu não quero ver o filme porque é assim, assim e assado”, ou então falavam “não quero ver esse filme porque é desse jeito”, duas visões opostas do mesmo trailer. A gente não tem como controlar a forma ou o que a pessoa está escolhendo observar naquele trailer. Enfim, a gente está torcendo para as pessoas irem ao cinema assim e acho que o filme propõe isso, assim, ele é mais complexo do que o trailer aparentemente faz algumas pessoas enxergarem.

A: Eu também não esperava, mas eu não tinha muita ideia de como isso ia chegar nas pessoas. E tem muitas camadas, principalmente na internet, então é difícil. Acho que tem comentários que vêm com uma intenção construtiva mesmo, de pessoas que querem trazer essa discussão à tona, para reflexão. O mais importante foi que eu e o Dani identificamos isso e conversamos muito. Tem outros comentários que são mais superficiais, mas eu acho que o trailer é um recorte do filme. Quando as pessoas forem assistir no cinema, vão ficar surpreendidas. Acho que a discussão vai ser mais interessante depois de assistirem ao filme na íntegra. 

D: E é bom ir desarmado, acho que é um filme que é melhor ir desarmado. É a forma que ele é construído, literalmente, do começo ao fim, e se você vai com essa crítica dos corpos, padrão, eu acho que – do começo ao fim – você vai se frustrando. O ideal é ir desarmado, porque o filme tem uma construção que resolve essa questão, eu acho.

13 sentimentos filme jpg
João (Volpi) e Michel (Joelsas) (Divulgação)

Como foi a escolha para chegar na formação do casal João (Artur Volpi) e Vitor (Michel Joelsas)?

A: Eu comecei fazendo teste pro papel do Michel [Joelsas]. Minha primeira fase, minha primeira cena e leitura foi como o Vitor, na verdade. E aí eu tive mais duas etapas depois que o Dani me pediu pra voltar como o João, em vez de Vitor. Aí depois que eu tinha sido aprovado como o João, encontrei com o Michel no teste dele, fazendo a parceria ali com ele pro teste que ele tava fazendo. E os testes do Dani são todos presenciais, o que faz uma diferença gigantesca. A gente já vai sentindo, principalmente o Daniel – acho que ele está justamente querendo fazer isso –, a conexão entre os atores, a química. A gente repetiu diversas vezes a cena. E vai descobrindo coisas já, você já vai aproveitando para ir investigando o personagem, mas o início foi meio assim. O Dani vai falar melhor da visão dele. 

D: Essa crítica que as pessoas fazem no filme [dos corpos padrões], é um pouco uma crítica do próprio filme também, do padrão. Porque o Michel é isso: ele é loiro, tá com aquele corpo malhado, olho azul, então é “O padrão”. É “O padrão” que se dá bem no aplicativo, que conquista todo mundo, então a gente queria que fosse esse personagem, que tivesse exatamente essa função; o João vai lá, começa a conversar com ele e fica apaixonado por ele, porque ele é “O padrão”. É, ele tá fazendo esse papel, né?

Não vou dar spoiler para o que acontece depois, mas era um perfil físico que a gente precisava de alguém como o Michel, porque ele trazia essa presença, pra ser essa paixão à primeira vista do do João, né? E ele é isso, o Michel é super carismático também, chega com aquele jeito dele. Então, ele tinha essa função, que era despertar esse interesse imediato e meio sem questionar do João.

O seu filme anterior, Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, narra a história de um amor adolescente, mas é um drama, diferente de outras obras do gênero. Já 13 Sentimentos é um filme sobre conflitos emocionais adultos e veio como uma comédia romântica, com um ar mais florido. Essa “inversão” de estilos foi algo espontâneo ou já pensado?

27878032748 ef4bd90a37 o
Daniel Ribeiro (Foto: Divulgação)

D: Foi meio espontâneo, não foi pensado exatamente por ser assim. Acho que o Hoje Eu Quero Voltar Sozinho tem essa coisa mais doce mesmo, esse lugar mais ingênuo, esta descoberta e tem a questão da deficiência visual também, que leva o filme para um lugar um pouco mais dramático, né? Apesar de não muito, mas acho que tem essa pincelada, não tem como ignorar isso. E esse filme, acho que a ideia é isso, é fazer um filme pop – o 13 Sentimentos –, que se comunique com as pessoas, que as pessoas se divirtam, que as pessoas deem risada, é um filme engraçadíssimo. Estou dizendo agora até porque a gente viu algumas exibições, porque antes você fica na dúvida, você faz uma comédia e fala, “será que as pessoas vão rir?”, e vendo com as pessoas, realmente, eu sinto que isso funcionou, principalmente no cinema.

Se você ver [o filme] em casa, talvez não seja engraçado sozinho, você acha uma coisa engraçada ou outra. Por isso que o ideal é que as assistam no cinema, leve os amigos, porque eu acho que é gostoso ver no cinema essa experiência, um filme como esse, em que a risada vai contaminando uma a outra, ainda mais, se você estiver no cinema, em que a maioria das pessoas seja LGBT, que se identifica, esse riso é também uma forma de conexão, de falar “a gente entende exatamente o que está passando.”

Daniel, algumas matérias afirmam que 13 sentimentos e Hoje Eu Quero Voltar Sozinho fazem parte de uma trilogia sua que vai se encerrar com Amanda e Caio. Você pode falar um pouco sobre o próximo filme e explicar como essas três se conectam?

D: Então, na verdade, o Amanda e Caio é o filme do meio. O 13 Sentimentos é o último filme. São três filmes que falam sobre as etapas de um relacionamento. Hoje Eu Quero Voltar Sozinho é sobre o começo de uma relação, essa primeira descoberta do primeiro amor. O Amanda e Caio é um filme de dois jovens, é um casal trans, né? Um homem e uma mulher trans que namoram há algum tempo e é sobre essa crise do relacionamento deles. E o 13 Sentimentos é o filme que encerra a trilogia de alguma forma, quando os três filmes estiverem prontos, mas o 13 Sentimentos fica no final, que é o filme que fala sobre o recomeço depois da separação de um relacionamento muito longo.

Leia mais entrevistas: