Crítica: Rimbaud, a Vida Dupla de Um Rebelde

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EU TE AMO, ARTHUR RIMBAUD
Ensaísta norte-americano revive o fascínio pelo fundador da poesia moderna

Por Alexandre Figueirôa
Articulista da Revista O Grito!

O mês de outubro de 1854 deve ter passado despercebido para quem vivia na Europa em meados do século XIX. Para duas famílias, ele assinalou um fato banal na vida de qualquer família: o nascimento de um filho. Em Dublin, Irlanda, nasceu Oscar Gingall O’Flahertie Wills, mais conhecido como Oscar Wilde; e na cidade de Charleville, França, registra-se o nascimento de Jean Nicholas Arthur Rimbaud. Para a literatura, no entanto, a vinda destas criaturas ao mundo marcou o início de duas trajetórias ímpares que até hoje são lidas e relidas por biógrafos, pesquisadores e amantes das letras. Ao atingirem a idade adulta estes dois homens foram protagonistas das aventuras e desventuras de serem dois dos escritores mais lidos e citados do planeta. Ambos são fascinantes. Wilde escreveu romances, poesia, peças de teatro e conheceu a glória até sucumbir ao amor e aos caprichos de Lord Alfred Douglas, episódio que o levou à ruína e à morte.

Rimbaud, ainda um adolescente, também encontrou a paixão e a poesia encarnada no poeta Paul Verlaine. É apontado como o inventor da poesia moderna e antes dos vinte anos compôs toda sua obra. Não teve o mesmo destino de Wilde e acabou se tornando um dos grandes mistérios da história da literatura. Não conheceu o sucesso, embora Uma Estadia no Inferno seja uma das mais sensacionais obras já composta até hoje. Por não ter alcançado o reconhecimento desejado, desinteressou-se pela poesia e viajou pelo mundo até chegar ao continente africano, onde viveu os restos dos seus dias.

E é exatamente Arthur Rimbaud que acaba de ganhar mais um ensaio sobre sua vida. Desta feita quem se debruçou sobre o poeta de Iluminações foi o escritor e ensaísta norte-americano Edmund White. Rimbaud, a Vida Dupla de Um Rebelde está nas livrarias em um lançamento da Companhia das Letras e reacende no imaginário do mundo ocidental o fascínio por este poeta intrigante que provocou na literatura uma tempestade cujos traços permanecem vivos e inigualáveis. O livro de White não é uma biografia minuciosa como a do francês Jean-Jacques Lefrère com suas 1242 páginas, publicada em 2001, mas aos apaixonados pelo poeta é uma espécie de álbum de fotografias que de tempos em tempos nos debruçamos para nos obrigarmos a relembrar com intensa afeição como sua vida e sua poesia foram e são tão inspiradoras.

A leitura do ensaio de White nos lembra o estudo crítico do poeta feito pelo escritor Henry Miller, intitulado O tempo dos assassinos, e nos faz recordar que ler os poemas de Rimbaud será sempre um desafio de perscrutar o mistério da existência. O bom deste trabalho do autor norte-americano é o reconhecimento de quanto a vida de Arthur Rimbaud se transformou numa lenda que segue duradoura e contraditória graças a sua rebeldia juvenil, a sexualidade escandalosa e a atribulada relação homoafetiva com Paul Verlaine, outro grande poeta em língua francesa. Mas o texto de White evita mistificações e lança um olhar contemporâneo sobre este gênio das letras, mesclando os episódios marcantes de sua existência com o processo de criação dos poucos textos que produziu e como eles estão intimamente ligados ao seu relacionamento amoroso com Verlaine.

Eu, um devorador de tudo que diz respeito a Rimbaud e que por inúmeras vezes me debrucei em êxtase na leitura de Uma Estadia no Inferno (… Suas misteriosas delicadezas tinham-me seduzido. Esqueci todos os meus deveres humanos para segui-lo. Que vida! A verdadeira vida está ausente. Não estamos no mundo. Vou para onde ele vai, é preciso…), talvez seja suspeito de recomendar a leitura do ensaio de White, mas como resistir em dar prosseguimento ao culto deste poeta indecifrável. Talvez as palavras de Verlaine expressem com mais precisão tal fascínio, quando ele, na prisão, por conta de um tiro disparado contra o amante, acabou sendo preso e escreveu o poema Crimen Amoris onde apresenta Rimbaud tal como o encontrou pela primeira vez:

Ora, o mais belo dentre todos esses anjos maus
Tinha dezesseis anos sob sua coroa de flores.
De braços cruzados sobre os colares e as franjas,
Ele sonha, o olho cheio de chamas e de choros.