Lovecraft
Hans Rodionoff, Enrique Breccia e Keith Giffen
Comix Zone, 144 páginas, R$ 114,90, 2023.
Tradução de Érico Assis
Howard Phillips Lovecraft, mais conhecido como H. P. Lovecraft, é indiscutivelmente um nome incontornável quando estamos falando de escritores de histórias de terror. Ele é para o século 20 o que foi o também estadunidense Edgar Allan Poe para o século precedente. Se as obras de Poe – O Corvo, Os Assassinatos da Rua Morgue, O Escaravelho de Ouro, entre outras – influenciaram autores do mundo todo e muitas delas viraram filmes, Lovecraft não ficou atrás. Profundo admirador de Poe, com suas histórias estranhas e bizarras, mesclando horror e fantasia, ele, para muitos críticos literários, revolucionou o gênero e tem seguidores do quilate de Stephen King, Clive Baker e o cineasta John Carpenter.
Sua vida, porém, foi bem complicada, pois a principal fonte de inspiração do seu trabalho eram os próprios pesadelos que o levaram a viver sempre à beira da loucura, premissa que o trio Hans Rodionoff, Enrique Breccia e Keith Giffen usou para construir a biografia em quadrinhos Lovecraft, lançamento recente da editora Comix Zone.
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Esta não é a primeira vez que a HQ é publicada no Brasil. Existe uma edição de 2006, mas esta ganhou uma nova capa e as pranchas foram redigitalizadas garantindo a qualidade do requintado trabalho gráfico do argentino Enrique Breccia, um dos pontos altos da publicação. Breccia foi um dos desenhistas de Che, biografia em quadrinhos de um dos protagonistas da revolução cubana ao lado de Fidel Castro, e trabalhou nos Estados Unidos na Marvel, onde desenhou Wolverine, e na DC Comics, onde fez desenhos para o Batman. Em Lovecraft, o artista desenvolveu com esmero os níveis narrativos do roteiro escrito por Rodionoff e Giffen que acompanha o autor de O Chamado de Cthulhu desde sua infância até a idade adulta. Os desenhos de Breccia reproduzem com precisão os lugares e monstros imaginados por Lovecraft em suas histórias.
A biografia em quadrinhos de Lovecraft concentra-se em alguns pontos chaves de sua trajetória tendo como fio condutor a dificuldade do autor em separar o mundo real do mundo imaginário que surge nos seus escritos. Lovecraft é retratado como uma criatura estranha desde muito jovem, sofrendo influência direta do seu meio familiar. Na medida em que vai se tornando adulto, ele tem a sua existência marcada por fases tranquilas entremeadas com momentos de desvario que o impedem de manter uma vida convencional, incluindo o casamento com a ucraniana Sonia Greene com quem viveu por dois anos. Mostra também os conflitos com seus editores pelo tipo de histórias que criava e as diversas atividades como ghost writer para sobreviver.
Mas os melhores momentos da HQ são, sem dúvida, os que entrelaçam as histórias reais vividas por Lovecraft com o mundo fantasioso por ele criado repleto de poderosos seres extradimensionais e o famoso livro de feitiços e invocação de demônios Necronomicon, que se tornou recorrente em sua obra e levou muitos leitores a crer na sua real existência.
Os roteiristas de Lovecraft, no entanto, apesar de ser do conhecimento corrente quanto o escritor era conservador e racista, preferiram ignorar completamente tal condição. Lovecraft na sua vida diária sempre demonstrava preferência por pessoas de origem anglo-saxônica ou nórdica e explicitava, em seus contos, um olhar preconceituoso ao colocar traços físicos de afrodescendentes na descrição das figuras monstruosas que inventava. Essa omissão é um problema, pois não permite ao leitor avaliar com clareza o trabalho do escritor.
Não se trata aqui de rejeitar o conjunto da obra de Lovecraft em sua totalidade, mas ver o que ela tem de válida e questionar o que muitos autores e críticos literários já apontaram como algo que não se pode tolerar. Uma pena, pois os insights sobre os limites entre a imaginação, a ficção e a realidade, abordados na HQ, poderiam ser muito mais ricos e suscitar uma reflexão mais profunda por um artista tão relevante na sua forma de expressão e tão controverso.
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