Crítica-HQ: Supermercadinho Brasil, de Lobo Ramirez, é uma lente de aumento no que temos de pior

Novo gibi do selo Escória Comix usa suspense e humor em uma trama de assassinato

supermercadinho
Foto: Reprodução/Escória Comix.
Crítica-HQ: Supermercadinho Brasil, de Lobo Ramirez, é uma lente de aumento no que temos de pior
8.5

SUPERMERCADINHO BRASIL
Lobo Ramirez
[Escória Comix, 74 páginas, R$ 25 /
2020]

Em um mercadinho de bairro tipicamente brasileiro acontece o assassinato de uma criança. Quem é o culpado desse crime hediondo? No melhor estilo noir, o quadrinista Lobo Ramirez coloca como suspeitos dez pessoas que se encontravam dentro do acontecimento no momento do ocorrido. A investigação da morte e a relação entre os personagens é o mote do autor para discutir aspectos típicos da sociedade brasileira contemporânea.

Supermercadinho Brasil é mais um lançamento da Escória Comix, selo de quadrinhos que tem em seu catálogo obras que buscam alargar os limites estéticos e narrativos das HQs, apostando sobretudo em temas incômodos, escatológicos, sem filtros. Apoiam-se sobretudo na tradição dos quadrinhos underground que sempre estiveram na contramão de um certo moralismo, conservadorismo e que rompem com a expectativa do leitor de uma arte comedida, de traços limpos, quase acadêmica.

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A nova HQ de Ramirez coloca uma lente de aumento nos tipos que vagam pelo Brasil e que, certamente, serão reconhecíveis aos leitores, como a senhora religiosa, o segurança racista, o policial violento e psicótico. Esses personagens, carregados no exagero, evidentemente, preenchem os estereótipos de uma sociedade que já não consegue dialogar. As longas cenas de discussões/investigações para elucidar o assassinato nada mais são do que bravatas, xingamentos e discursos de ódio. Reconheceu algo familiar?

O humor de Ramirez não poupa seus alvos e mostra apenas o pior de todos os personagens. Há também momentos de ação e perseguição, que, ainda que não avancem com a trama, cumprem a função do choque, do escracho. Ao contrário de narrativas semelhantes (muito influenciadas por Agatha Christie) em que personagens confinados em um mesmo ambiente tentam desvendar o culpado de um crime a partir do que está oculto na personalidade e atitudes de cada um, o gibi de Ramirez coloca essas sutilezas no lixo para destacar as mazelas e atitudes repulsivas. É como se comentaristas de portal de notícias estivessem dentro de um filme de terror.

A arte de Supermercadinho Brasil segue a proposta artística de outros quadrinhos do selo Escória Comix, ainda que estejam distantes da ousadia gráfica de obras como O Alpinista, de Victor Bello e Asteróide – Estrelas em Fúria, do próprio Ramirez.

Pela sua capacidade de fazer uma leitura tão atual do Brasil de hoje carregando a mão no absurdo como pede o momento, Supermercadinho Brasil é, certamente, uma das HQs mais relevantes deste 2020.

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