Dançando no Silêncio
Mounia Meddour
Argélia, 2022, 1h38. Distribuição: Pandora Filmes
Com Lyna Khoudri, Rachida Brakni e Nadia Kaci
Em cartaz nos cinemas
Quando faltam palavras para articular a complexidade que acompanha as angústias, incertezas e sofrimentos que nos rondam, um caminho que soa muito feliz é o de abraçar nossos corpos e buscar neles — e nas formas como eles se inserem e se relacionam com o mundo — alguma compreensão ou perspectiva. É seguindo essa toada que Dançando no Silêncio, novo longa da diretora franco-argelina Mounia Meddou, leva ao centro da narrativa os corpos e os movimentos para contar uma história de dor e luto, mas também de reinvenção e renascimento na adversidade.
Vivida pela atriz Lyna Khoudri, a protagonista Houria é uma jovem argelina que carrega consigo o sonho de trilhar uma carreira como bailarina profissional e nutre o desejo de presentear sua mãe (Rachida Brakni) com um carro. Para isso, ela se divide entre os ensaios de balé, um trabalho como camareira e algumas apostas ilegais à noite. Mas quando, por fim, ganha uma grande quantia de dinheiro e chega o mais perto das suas aspirações como nunca havia conseguido antes, ela é violentamente agredida por um homem.
O episódio traumático marca Houria e seu corpo para sempre, e ela vê todos aquele planos de vida se esvaírem. Quando, enfim, assimila que jamais voltará a ser a mesma, ela percebe que a resposta para o que procura — uma nova força motriz que a faça se recuperar e se reinventar, apesar do trauma que ainda a assombra — reside no exercício diário de reaprender a se relacionar com seu próprio corpo. É a partir daí que os gestos e os movimentos ganham o centro da narrativa e, juntas, atriz e diretora revelam uma sinergia em cena muito poderosa.
Mas falar que este é um drama sobre superação e resiliência soa muito generalista e até raso. Dançando no Silêncio vai além e mostra que nenhuma experiência, nenhum corpo existe no vácuo, sem um contexto sócio-histórico que é muito anterior a todos nós.
Meddour, que também assina o roteiro, mete o dedo nas feridas de uma sociedade onde as mulheres são vistas como cidadãs de segunda classe. Assim, mesmo que nunca sejam ditas, palavras como sororidade e coletividade dão o tom da trama: é ao lado de outras mulheres que Houria descobre como lidar com suas perdas e seguir em frente — cada uma carregando traumas distintos, mas com a mesma raiz social.
É um filme que encontra, no silêncio e nas ausências da língua oral, um caminho muito próprio e singular para comunicar as fraturas de um país que ainda vive às sombras de um passado colonial recente. Os corpos, gestos e olhares desabafam e transmitem o que as palavras ainda parecem ser incapazes de traduzir. Muito além de uma manifestação artística, a dança, aliada a língua de sinais, se insere na trama como uma possibilidade das personagens se apoiarem e processarem suas dores.
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