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(Foto: Villano/Divulgação/A2 Filmes).

Crítica: Como um quebra-cabeças, Morte a Pinochet resgata a história do atentado que quase matou o ditador chileno

Em um enredo não-linear, o filme combina a reconstrução do episódio real com aspectos ficcionais para explorar a subjetividade dos personagens

Crítica: Como um quebra-cabeças, Morte a Pinochet resgata a história do atentado que quase matou o ditador chileno
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Morte a Pinochet: Um ato de amor
Juan Ignacio Sabatini

Chile, 2020, 1h21. Distribuição: A2 Filmes
Em cartaz nos cinemas

Era setembro de 1986 e o Chile vivia um dos momentos mais sombrios e violentos de sua história sob o jugo da ditadura militar de Augusto Pinochet, conhecida como uma das mais sangrentas da América Latina. Movido pelo ímpeto de libertar o país e o povo do Estado terrorista que se instaurara, um grupo de homens e mulheres, no dia sete daquele mês, colocou em prática um plano corajoso que poderia mudar os rumos da história: acabar com o regime autoritário matando o tirano.

O ataque, batizado de Operação Século XX, foi orquestrado pela Frente Patriótico Manuel Rodríguez (FPMR), braço armado do Partido Comunista Chileno, que preparou uma emboscada contra a comitiva do ditador. Mas, como vivemos para saber que Pinochet morreu confortavelmente impune, a tentativa foi frustrada.

Agora, esse acontecimento histórico é recontado no cinema com o longa-metragem Morte a Pinochet, mais recente trabalho do diretor Juan Ignacio Sabatini. Na trama, Daniela Ramírez interpreta Tamara, que, ao lado de Ramiro (Cristián Carvajal), Sacha (Gaston Salgado) e outros guerrilheiros, articula o atentado. Narrado por esta que é a única comandante mulher do grupo, o filme traz uma reconstituição do episódio real ao mesmo tempo em que explora aspectos ficcionais e se aprofunda na subjetividade dos personagens em um enredo não-linear.

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A atriz Daniela Ramírez interpreta a comandante Tamara, nome político adotado pela socióloga Cecilia Magni, militante comunista morta pelas forças de repressão cerca de dois anos depois da tentativa de assassinato do ditador. (Foto: Villano/Divulgação/A2 Filmes).

Carregando o subtítulo Um ato de amor, a produção sai do lugar comum e envereda por uma trilha poética. Através das divagações de Tamara, enquanto uma mulher comunista e perseguida política, mas também enquanto uma mãe, uma filha e uma irmã privada do aconchego familiar, somos atravessados o tempo todo pelo emaranhado angustiante de sentimentos de alguém que está ali movida pelo amor e pelo ódio: amor ao povo cotidianamente massacrado e ódio ao totalitarismo assassino. É um lembrete de que não vamos a lugar nenhum sozinhos e de que só a luta coletiva é capaz de mudar o estado das coisas. “Há mais crianças para se preocupar, companheiro. Não só as suas”, diz Tamara em uma das cenas.

Em todos os sentidos, a produção foge dos caminhos óbvios para contar a história do atentado frustrado. Construído em saltos temporais e flashbacks, o filme é um verdadeiro quebra-cabeças, cabendo ao olhar atento do espectador montá-lo a medida em que a narrativa avança, o que, até um certo tempo, funciona muito bem para incrementar boas doses de suspense.

Contudo, o que poderia ser o grande triunfo do roteiro, acaba enfraquecendo a narrativa e a comprometendo nos instantes finais, quando parece que o filme inicia uma corrida para chegar ao fim. Até para quem conhece os detalhes da história real, fica confuso e difícil de acompanhar.

Com estreia no Brasil na última quinta (16), Morte a Pinochet chega ao público brasileiro num momento em que peritos internacionais confirmam uma suspeita já levantada por décadas: o poeta Pablo Neruda, militante do Partido Comunista Chileno, morto 12 dias depois do golpe militar de Pinochet, não morreu de câncer, como até então afirmava a versão oficial, mas sim por envenenamento.

Essa recente reviravolta nos faz questionar a quantidade de crimes que permanecem e ainda permanecerão encobertos – não apenas no Chile, mas no Brasil e nos seus vizinhos latino-americanos. Torturada até a morte em 1988, a socióloga e militante comunista Cecília Magni, conhecida como Comandante Tamara pelos companheiros de guerrilha, teve seu corpo jogado num rio. À época, sua morte foi dada como consequência de um afogamento.

Ainda que certas escolhas de roteiro comprometam o potencial da obra, o longa de Juan Ignacio Sabatini é um importante resgate da luta desses guerrilheiros e de tantos milhares que não desistiram de uma pátria mãe ingrata e nada gentil.