Como repórter, Glória Maria enfrentou racismo do ditador João Figueiredo e ganhou simpatia de Madonna

Feito raro, a jornalista tornou-se ícone da cultura pop por suas coberturas e entrevistas

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Glória Maria durante uma de suas reportagens no Jornal Nacional. (Foto: Acervo/TV Globo).

Glória Maria, que morreu nesta quinta (2), fez história no jornalismo por conta de seu pioneirismo em diversos aspectos e por seu estilo inconfundível de reportar. Alinhava uma apuração precisa com um texto fluido, marcante. Seu sucesso a tornou também um ícone da cultura pop por conta de diversas coberturas icônicas. Entrevistou nomes como Freddie Mercury, Madonna, Michael Jackson, Nicole Kidman e o ditador João Figueirêdo. Virou até meme: em uma reportagem na Jamaica, experimentou um bong de maconha, que virou um gif instantâneo nas redes.

Em 1979, Glória Maria entrevistou o ditador João Figueiredo, que não gostava da jornalista e protagonizou um episódio de racismo com ela. “Foi quando ele [João Figueiredo] fez aquele discurso ‘eu prendo e arrebento’ – para defender a abertura [1979]. Na hora, o filme [para fazer a gravação da entrevista] acabou e não tínhamos conseguido gravar. Aí eu pedi: ‘Presidente, é a TV Globo, o Jornal Nacional, será que o senhor poderia repetir?’. ‘Problema seu, eu não vou repetir’, disse Figueiredo. O ex-presidente dizia para a segurança: ‘Não deixa aquela neguinha chegar perto de mim’”, relembrou Glória em entrevista para o podcast Mano a Mano.

Glória entrevistou Madonna em 2005 durante a divulgação de Confessions on a Dance Floor. Conhecida por ser uma pessoa difícil em entrevistas e causar pânico em repórteres, a cantora foi simpática com a jornalista brasileira. “Eu saí daqui, e diziam que a Madonna era difícil. Foi antipaticíssima com a Marília Gabriela e debochou do seu inglês”, lembrou Glória à Globo.

Ela entrou em pânico, mas na hora da entrevista, soltou: “Olha, Madonna, eu tenho quatro minutos, vou errar no inglês, estou assustada, acho que já perdi os quatro minutos.” Para sua surpresa, no entanto, a estrela virou-se para a sua equipe e disse: “Dê a ela o tempo que ela precisar.”

Outra entrevista histórica foi com Freddie Mercury, que estava no Brasil com o Queen para o Rock In Rio em 1985. O cantor foi bastante comunicativo e e simpático, lembra Glória, que perguntou a ele se a música “I Want To Break Free” era dedicada à comunidade gay. “Não, absolutamente não. Esta música foi escrita por John Deacon, que é bem casado e tem uns quatro filhos”, disse. “Ela fala de todos nós, de alguém que leva uma vida muito dura e só quer se libertar dos problemas que enfrenta.”

Mas, talvez a mais famosa reportagem de Glória Maria foi feita em 1996 com Michael Jackson. O astro veio à Salvador para gravar o clipe de “They Don’t Care About Us”, com o Olodum. “É claro que o Michael Jackson não dá entrevistas porque ele precisa manter a imagem de um mito. Mas a gente pediu, pediu, e ele aceitou dizer uma palavra para os brasileiros. ‘Michael, tell something to the Brazilian people [diga alguma coisa para os brasileiros]'”, lembrou Glória no encontro que teve com o artista. “I love you, Brazil”, respondeu o astro, que deu um beijo em seu rosto.