Cidade invisível
Marco Pigossi (Eric) e Manu Dieguez (Luna): protagonista sai de cena. (Divulgação/Netflix).

Segundo ano de Cidade Invisível traz ancestralidade indígena e novas entidades dentro de um roteiro limitado

Série parte do folclore brasileiro para fazer girar uma narrativa de mistérios e fantasia

Segundo ano de Cidade Invisível traz ancestralidade indígena e novas entidades dentro de um roteiro limitado
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Cidade Invisível – Segunda Temporada
Carlos Saldanha (criador)
BRA, 2023. 14 Anos. 5 episódios
Marco Pigossi, Alessandra Negrini, Julia Konrad
Disponível no Netflix

Produções nacionais que se guiam pelo fantástico não são uma novidade. Diversos programas infantis apostam no tom lúdico que a magia pode oferecer. Acaba por ser verdade que produções do gênero pensadas para um público mais amplo estão em falta no mercado audiovisual brasileiro na atualidade. Até porque tentativas falhas estão aí como exemplo do que não fazer. Um bem evidente é a novela da Record Mutantes: Caminhos do Coração, que apesar do sucesso inicial, logo perdeu fôlego, não só pela baixíssima qualidade nos efeitos especiais e no enredo, mas também porque faltava algo que tornasse a trama mais próxima do público, mais brasileira.

A busca por um estrangeirismo da fantasia, trazendo personagens com poderes inimagináveis e pouco críveis dentro de um roteiro nacional soa até absurdo, já que o país possui em seu âmbito cultural um universo fantástico próprio, um folclore rico de personagens e histórias. E foi a partir desse elemento cultural que Cidade Invisível, série da Netflix, se baseou na primeira temporada lançada em 2021 e continua firmada na renovação de seu segundo ano.

A primeira remessa dos episódios serviu para nos introduzir na trama bastante interligada com a segunda temporada. A partir de uma série de mortes, que incluem a de sua esposa, Eric (Marco Pigossi), um policial ambiental, se percebe dentro de uma investigação não convencional e até mesmo super-humana. Isto porque, a partir disso, ele descobre não só que as figuras folclóricas existem como também que sua família possui um vínculo direto com elas. E mais: tudo o que aconteceu tem muito a ver com ele e a filha Luna (Manu Dieguez), já que posteriormente, descobrimos que ambos estão sendo controlados por um espírito maligno responsável pelo assassinato das entidades (nomes dados as figuras mágicas).

A primeira temporada não responde o porquê de Gabi (Julia Konrad), esposa de Eric, ser morta por um espírito que ia atrás de entidades (mesmo ela não sendo uma). A segunda também não irá desvendar esse mistério, contudo. O foco da nova leva está ainda mais direcionado em Luna, do que em Eric, que no desfecho do primeiro ano conseguiu se livrar do espírito maligno e foi levado por Curupira, Iara e Cuca para ser curado, desaparecendo em seguida.

É nesta busca que Luna e a Cuca (Alessandra Negrini) engatam a trama, que chega nesta temporada até Belém do Pará. Eric foi levado pela entidade das águas a um santuário natural, que historicamente também é alvo de uma família de garimpeiros corruptos. A partir disto, a série traz como destaque uma narrativa que perpassa a história fatídica brasileira, a luta de povos indígenas contra a exploração dos recursos naturais e a tentativa da tomada de suas terras.

vitrine cidade invisivel segunda temporada
Pigossi em cena de Cidade Invisível 2: trama vai à Belém do Pará (Divulgação/Netflix).

Representatividade no elenco

A segunda temporada resolve uma crítica recorrente de que a série destacava demasiadamente um elenco de pessoas brancas, invisibilizando a relação dos povos indígenas com o imaginário das lendas do Brasil. Aqui fica claro que os protetores das entidades, detentores das sabedorias espirituais e ancestrais são os povos indígenas, vividos por atores nativos como Kay Sara (promotora Telma), Zahy Tentehar (como Débora) e Ermelinda Yepario (como Pajé Jaciara).

Também é possível perceber, que assim como na primeira temporada, na mata do Rio de Janeiro, a floresta de Belém é um lugar fértil para a vivência de entidades. Aparecem aqui, Matinta Perê, com interpretação dedicada de Letícia Spiller, um Zaori, vivido pelo artista e mestre pernambucano Sebastião Alves Cordeiro, a Mula Sem Cabeça, por Simone Spoladore e o Menino Lobo pelo jovem Tomás de França.

A intenção do criador Carlos Saldanha neste novo ano, além de expandir o universo criado, e dar uma carteirada certeira nas questões que envolvem a defesa dos povos indígenas tão maltratados, especificamente nestes últimos anos de governo Bolsonaro, parece ser encerrar um núcleo. Tal núcleo é o que abrange Eric no protagonismo.

Esta escolha poderá fazer sentido nas próximas temporadas (se houverem), já que o valor do personagem foi se perdendo aos poucos por um roteiro que apresentou furos. O personagem de Pigossi partiu da trama sem ao menos entendermos o que de fato ele era no mundo das entidades ou até mesmo o propósito principal de tudo ter acontecido com ele.

O que o segundo ano da série tentou nos mostrar é que tudo de ruim que aconteceu fazia parte de um destino imutável da filha Luna, e que Eric só serviu para realizar as más ações que precisavam serem feitas para que esse destino fosse realizado. Tais voltas esvaziam um tanto o roteiro e tornam a narrativa confusa de acompanhar. Além de que, escanteiam a adesão dos novos personagens fadados a uma abordagem superficial.

Outro ponto negativo fica marcado nos diálogos, fracos e até mesmo cheio de clichês. Isso é o que tira de Cidade Invisível seu potencial de inovação já que a filmagem (um destaque) foge do convencional. Os efeitos especiais são decentes e competentes, mas esbarram no roteiro previsível. Corroborando com a grande maioria dos fãs, a crítica à redução dos episódios é muito legítima, mas este é um expediente que parece já ter virado habitual do streaming para as produções brasileiras.

A temporada termina com indícios de uma continuidade, o que pode ser interessante para explorar as potencialidades de lendas do folclore brasileiro. Porém, se o roteiro não encontrar um caminho mais consistente, assistir a série vai valer apenas pelo fantástico pura e simplesmente. E de produtos esvaziados assim, o mercado audiovisual está cheio.

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