Conheci Ramonn Vieitez no começo dos anos 2010. Nossos primeiros contatos foram pelo Twitter, mas depois nos encontramos pessoalmente durante as mobilizações realizadas pelo movimento OcupeEstelita no Recife. Uma paixão compartilhada por imagens e uma sensibilidade similar fizeram com que uma relação duradoura florescesse.
Quando lancei o curta Canto de Outono (2014), me dei conta que Ramonn tinha uma pintura de Erick Volgo, protagonista do filme e nosso amigo em comum. Ramonn permitiu que a pintura fosse utilizada como base para o poster do filme, assinado por Luís Fernando Moura. Percebi que um diálogo entre cinema e artes visuais, entre imagem-movimento e pictorialidade, que é um ponto forte na pesquisa estética que realizo em meus filmes, estava ganhando uma manifestação fora dos meus projetos, na minha relação com Ramonn. Me senti muito grato por Recife ter me dado de presente essa amizade.
Convidei Ramonn para chegar ainda mais perto do cinema quando fui gravar o longa A Seita (2015). O protagonista desse filme era um dândi futurista que voltava para sua antiga casa no centro do Recife – casa essa que deveria estar recheada de obras de arte. As pinturas de Ramonn pareciam ser perfeitas para desempenhar esse papel: Ramonn trabalha com tinta a óleo – algo que em si já remete ao universo estético decadentista com o qual o projeto estava dialogando – e faz telas oníricas com jovens rapazes em posturas afeminadas, que parecem estar sempre sonhando e flanando. Em A Seita, senti que Ramonn estava fazendo algo próximo ao que eu estava buscando – só que no campo da pintura ao invés do cinema. Os anos se passaram e essa sensação continua até hoje.
Ramonn se envolveu em A Seita muito além de emprestar pinturas para o cenário: ele também pintou o mural que enfeita a cabeceira da cama do protagonista e também os lambe-lambes que estão colados pelos muros da Recife em ruínas e que são o portal do mistério que o protagonista do filme investiga.
No ano seguinte, Ramonn me convidou para fazer um vídeo sobre o trabalho dele por ocasião da sua primeira exposição individual no Rio de Janeiro, “Enjoy the Silence”. Com a ajuda de Chico Lacerda, tentei abordar a pintura de Ramonn com o viés caricato da Surto & Deslumbramento, coletivo dentro do qual tenho realizado os meus filmes.
Em 2023, por ocasião das filmagens do curta sci-fi Segunda-feira então, de Júlio Pereira (lançado em 2024 na Mostra de Cinema de Tiradentes), no qual assinei a direção de arte, chamei Ramonn para fazer os grafismos que integram as bags dos entregadores futuristas do filme.
Agora, me vejo novamente dentro da imaginação onírica, das cores e das fantasias de Ramonn Vieitez assinando a curadoria da sua exposição individual mais recente: O Fim é o Começo, que inaugurou em 16 de maio e segue com visitação até o dia 28 de julho na Torre Malakoff, em Recife.
Numa visita ao ateliê de Ramonn Vieitez para planejarmos a exposição, gravei a seguinte conversa.
André Antônio: Fico curioso para entender a relação entre o planejado e o aleatório nos teus quadros. O esboço que você começa a desenhar versus o que vira no fim: a coisa costuma se manter ou há percalços no caminho que fazem mudar muito?
Ramonn Vieitez: O trabalho muda pouco, raramente, sendo bem sincero. Eu sempre passo mais tempo pensando como fazer do que realmente fazendo assim na hora. A pintura de certa forma já está pronta no imaginário. Óbvio que quando a coisa dá errado chega o momento de tentar alternativas, mas acontece pouco. E quando acontece eu já percebo cedo, às vezes no começo da execução. Eu tento uma cor e já percebo que não vai ficar bom, que não vai dar certo, que não vou chegar no efeito que eu quero. Nesse momento, é hora de virar o jogo e entender novamente o que eu realmente quero. Eu pinto com a técnica que chamam de alla prima, criando uma continuidade direta, e não por camadas. O que eu começo a fazer já é o final, com a tinta fresca. Só muito recentemente eu comecei a trabalhar com camadas porque o trabalho pediu, mas normalmente é alla prima. Por exemplo, o quadro amarelo com os cavalinhos, originalmente ia ser só amarelo. Eu fiquei pensando num gramado queimado de sol, muito amarelo… mas quando fui olhando senti que precisava de alguma coisa a mais, que faltava algo para que pudesse existir mesmo enquanto quadro – aí eu coloquei os dois cavalos. E foi muito tempo depois. Essa tela ficou parada um tempão aqui no ateliê e eu sempre pensando nela…
André: Como são esses esboços? É só desenho ou já é um esboço de cor também?
Ramonn: Os dois – cor e desenho. Os esboços para as minhas paisagens surgiram das páginas que eu risco quando estou entediado, na aula, quando eu fico com a caneta na mão meio a esmo. É como desenhar vários nadas. As paisagens surgiram disso. São formas aleatórias.
André: Olha só! A relação com o aleatório estava em outro ponto do processo.
Ramonn: Isso. Nesse caso eu comecei com o aleatório para depois planejar. Rabiscos que surgem e que depois eu começo a ver formas neles. E aí o risco começa a ganhar cor, começa a ganhar volume, se transforma. Mas no geral os esboços já são super bem planejados, inclusive com indicação de cores. É no esboço que eu fico ensaiando formatos, vendo como eles podem funcionar, sempre faço pequenas pinturas disso, me ajuda a entender como as cores vão funcionar.
André: Fiquei pensando no roteiro de cinema. Você passa muito tempo planejando o roteiro, inclusive com métodos que permitem o seu inconsciente contaminar a escrita, a estrutura. Mas depois, para que no fim esse inconsciente permaneça, durante as filmagens você precisa se ater ao que está decidido, apontado nas páginas do roteiro. É uma forma de acolher o aleatório bastante parecida com essa das tuas paisagens.
Ramonn: Sim.
André: Porque existe pintura que tem um método bem diferente: o aleatório, o improviso, chega no momento da execução, no momento que o pincel tá na mão.
Ramonn: Isso. Mas eu não; eu gosto de inclusive fazer estudos de cor com a própria tela antes. Porque, claro, a tinta no papel do caderno é uma coisa, mas na tela onde a pintura vai se formar é outra. Enfim, gosto de trabalhar nesse campo do que é projetado.
André: queria falar um pouco das tuas figuras. Do lado mais figural de alguns dos teus trabalhos. Qual a relação que teu processo criativo tem com a fotografia? Eu sei que a cultura pop é uma grande referência na tua obra. Qual a relação entre um certo tipo de imagem midiática, fotográfica, imagem feita por câmera e um tipo de imagem mais pictural, com tinta a óleo?
Ramonn: Acho que meu trabalho possui uma relação com a imagem midiática. Se tem relação com a fotografia, ela vai por aí. Porque também tô pensando em filmes, em videoclipes, além de fotografias. Foi nesse universo que eu aprendi sobre visualidades. Eu não era uma criança que via pintura no museu, minha mãe não me levava no museu. Tudo que vinha era da TV e do computador. Minhas cores vêm desse mundo: cores que você vê nesse tipo de imagem. É um uso muito forte da cor. Involuntariamente eu trago isso no meu trabalho. Mesmo quando faço algo com tons mais terrosos, é um terroso que brilha. Um ocre muito forte, intenso, vivo.
André: é pop.
Ramonn: É. O pop está presente.
André: mas você usa fotografias específicas, mesmo digitais, como pontos de partida?
Ramonn: quando acontece, é só um ponto de partida. A foto pode dar uma noção mas depois, na tela, ela se transforma completamente. É que não estou interessado num efeito hiperrealista. Não sinto desejo por “pintar uma foto”. Sei que há pinturas que demonstram maestria e técnica nessa criação de efeitos “fotográficos”. Mas prefiro muito mais pegar a imagem e transformá-la em algo diferente – em algo como eu o vejo.
André: e o que é que muda entre a imagem da câmera e ela transformada em coisa tua?
Ramonn: a textura. A fotografia possui um aspecto chapado. Mesmo quando tem blur, a espessura própria da foto cria algo muito homogêneo. Quando aquilo se transforma numa pintura, ela ganha “ruído”. É como se a imagem se esticasse: existe uma vibração latente na foto que me interessa e na pintura eu a faço brotar dali, eu a estico. A manualidade traz um caráter muito singular para a imagem. Eu distorço a fotografia e assim ela passa a ser minha. É o talhar de uma matéria. Eu não me considero escultor, no sentido de quebrar a pedra. Mas acho que o jeito que eu pinto tem algo de esculpir: eu vou procedendo por “pedacinhos”, “talhando” a tinta até chegar no resultado final. Tem gente que coloca uma grande mancha e, partindo dela, vai criando misturas. Eu não, é “um pedacinho aqui, e aí depois um pedacinho ali”, até chegar a um resultado. Falei antes do alla prima que consiste em fazer uma obra numa única sessão, porém, no meu caso, digamos que eu divido essa sessão, como uma colagem, particularmente nas telas maiores.Eu faço uma imagem do começo ao fim, depois encaixo outra e faço do começo ao fim num único dia. Por exemplo, na tela Sonho ou delírio foram momentos diferentes pintando, acho que oito ou mais, sem camadas, sem esperar secar e sobrepor.
André: Você falou em flou. Fiquei pensando que existe pouco sfumato na tua obra. É uma pintura da linha, que divide o visual em campos definidos. A planta é a planta, o menino é o menino e nada se mistura. É bem diferente de uma perspectiva mais impressionista. Mesmo sendo pintura, a estrutura do desenho continua bastante presente.
Ramonn: eu aprendi a pintar sozinho. Sempre tentando aprender com livros, vídeos, sendo autodidata. Nunca fiz curso de pintura. Meu caminho foi assim: eu ia fazendo e aprendendo uma coisa nova. Aliás, isso é das coisas que mais me interessam em fazer pintura. Quanto mais você pinta, mais vai aprendendo. Existe sempre novidade! E eu sempre tentei me desafiar um pouco a cada etapa. Por exemplo, a presença e o tipo de manchas na minha pintura tem mudado bastante recentemente. É um processo um pouco tortuoso, ateliê é uma tortura, quero chegar num ponto, quando chego, vou em busca de outra problemática… Agora estão aparecendo novas manchas, novos tipos de manchas. Mas sobre minha tendência a permanecer com uma linha forte e ir pouco pro sfumato, eu não saberia dizer de onde vem. É algo natural que simplesmente acontece, não é que eu planejei, como projeto, estar vinculado a esse tipo de pintura. Flui de maneira orgânica no meu processo.
Eu não era uma criança que via pintura no museu, minha mãe não me levava no museu. Tudo que vinha era da TV e do computador. Minhas cores vêm desse mundo: cores que você vê nesse tipo de imagem. É um uso muito forte da cor.
Ramonn Vieitez
André: Talvez tenha a ver com o diálogo com o pop. A imagem do pop é muito bem definida, é HD. Geralmente é uma imagem onde tudo é muito iluminado, é uma luz de estúdio, é artificial. O resultado é um aspecto nítido da imagem.
Ramonn: legal. Eu cresci com essas imagens, vendo elas. Eu devo reproduzir esses aspectos de forma inconsciente, natural. Nunca tinha pensado nessa questão nesses termos. Fiquei lembrando daquele monitor de tubo. O contraste ali era muito alto, a parte da sombra no rosto era uma área preta, dura. Ou seja, é uma imagem com linhas duras, definidas. Isso me remete a um aspecto interessante das minhas paisagens mais recentes: todas elas são verticais! Isso é incomum – uma paisagem vertical? Por que não horizontal como normalmente é? Acho que deve ser por causa da tela digital do celular.
André: se eu fosse dividir teu trabalho em fases, seria assim: tem uma primeira fase, que foi quando a gente se conheceu, que era de fantasia, onde essas figuras masculinas protagonizavam cenas. Andando pelo bosque, lendo um livro… existia uma espacialidade concreta de cena. Em dado momento o tipo de cena mudou. Não mais bucólica, pastoral, onírica, como no começo. Agora urbana, mais pro lado do queer transgressivo: os prédios em ruínas, as pichações, a cidade caótica dos marginalizados, as ações criminosas. Mas ainda assim, eram figuras em cenas. Depois, numa segunda fase, as figuras ficaram sozinhas, destacadas, como na série dos mascarados. Eles aparecem isolados num espaço vazio assustador. Agora, na sua fase mais recente, a terceira, o espaço voltou: porém agora são paisagens autônomas, independentes, que se bastam. Não são mais cenários para as figuras, não são mais pano de fundo. As figuras agora, quando presentes, são inseridas como se o projeto fosse uma colagem, uma montagem. A paisagem se emancipou e criou uma nova relação com as figuras: a própria escala dos corpos mudou muito. E foi só nessas paisagens mais abstratas que eu comecei a ver no teu trabalho pinceladas mais energéticas, mais desavergonhadas. Queria te ouvir mais sobre essas pinceladas.
Ramonn: esses dias estava pensando sobre isso de fases e acho que concordo com você. Acho que estou numa espécie de terceira fase. Essa fase do começo sem dúvida era a fase “ingênua”. Eu estava entendendo pintura, entendendo o que eu gostava. Eram reis em florestas, esse tipo de coisa, era uma inocência. Eu não tinha noção de nada: de edital, do mercado de arte, eu só queria saber de aprender a pintar. Depois eu vejo uma fase que tem algo de rebeldia: são os assassinos, os mascarados, o diálogo com o horror, é um pop mais pesado, mais underground. Eu saí do sonho e fui pro bueiro! Tem algo de adolescente raivoso, foi a minha fase Christiane F. Agora acredito que estou numa fase mais “Ray of light”, mais madura. “Pop maduro” parece uma contradição em termos mas acho que estou sentindo algo por aí. Sobre as pinceladas, você tem razão. No começo acho que elas não existiam como pinceladas. Eram mais manchas. Não sei se você lembras, na série dos mascarados. Aquele rosa neon surgia com mesclas, misturas – havia mais tinta formando mais matéria. Nas pinceladas mais recentes das paisagens, eu uso menos quantidade de tinta, o que resulta numa pincelada mais fluida, daí o traço do pincel fica marcado. Não sei dizer como começou isso, de onde surgiu. Mas tenho gostado de trabalhar com uma tinta a óleo mais fluida e isso me desafiou cromaticamente nesses trabalhos novos. No sentido de que tentei usar a cor mais pura, ao invés de aplicar uma sombra ali. Não existe uma cor de fora que vem para criar uma sombra, a sombra é sugerida com a mesma cor mas mudando de tonalidade. É uma sombra sugerida pela fluidez, porque a tinta é transparente. E assim as pinceladas começaram a surgir. É um efeito bem diferente de antes. E foi o próprio trabalhar com a tinta que me trouxe isso. Veio da minha relação com a tinta, não foi muito planejado. De novo o acaso apareceu aí, do jogo do pincel com a tinta ao longo desse tempo.
André: pensando agora especificamente nas figuras. Desde a sua primeira fase até hoje vemos esses corpos jovens, é como um personagem que se mantém. Mas no começo o personagem é ingênuo. Depois ele vira um assassino, um rebelde. Agora no momento atual eu vejo uma espécie de retorno para o sonhador da primeira fase. O personagem voltou a devanear, a sonhar. Além disso, em dois quadros – A fruta e Equilíbrio, ambos de 2024 – eu vejo esse jovem se apresentar em termos mais eróticos, mais sexuais. Você tem vontade de explorar mais isso?
Ramonn: Eu até sinto interesse em explorar mais esse ponto, mas não agora. Tô preferindo me dedicar a outros elementos. É algo que tá ali, dando sinais devagarinho, mas ainda não senti a necessidade de mergulhar lá. Em algum momento talvez esse elemento ganhe o foco de uma pesquisa. O “a fruta” é bem particular, foi uma demanda. O “equilíbrio” por exemplo eu vejo mais como uma reestruturação de uma imagem espiritual, do pop encarando o místico, do que como erótico.
André: sim. De fato, esses personagens parecem pra mim saídos de um editorial de moda, ou da cultura pop como um todo, podia ser o protagonista de um blockbuster da sessão da tarde. Mas não de um filme pornô. As poses tem muito mais da moda, é algo chic, não tem nada de abjeto, mesmo na fase em que ele é bandido.
Ramonn: Total. Mas é como você falou antes. Esse personagem muda, ele tem uma história. Ele já foi o Bestão, depois o Vilão, agora é outra coisa, e parece que vai continuar mudando. Na fase Vilão, ele é um bandido glamourizado pela cultura pop. É aquele “junkie de filme” que quando a gente assiste na adolescência fica não com medo dele mas, pelo contrário, querendo ser ele! Apesar de tudo o que está acontecendo com aquele junkie no filme, o visual dele é incrível, é sedutor. É tipo o filme “Jovens Bruxas”: elas estão se matando mas, ainda assim, lindas. É Christiane F entrando no submundo mas com aquela jaqueta de Bowie, é Ewan McGregor e Jonny Lee Miller lindos em Trainspotting tocando Iggy Pop e New Order sabe.
André: falando em cores nas suas telas, eu vejo que na fase ingênua as cores eram mais suaves. Mas com os Mascarados e na tela No crepúsculo encantado da metrópole, eu sentia uma solidão fantasmagórica as cores ficaram mais intensas, mais neon, mais vibrantes.
Ramonn: acho que isso pode ter a ver com mudanças na forma como eu compreendo as cores e a qualidade das cores. Eu trabalho com tinta a óleo, qualidade do pigmento, da tinta, é muito importante. No começo eu usava tintas mais direcionadas para artesanato, menos pigmentadas, mas sinto que houve uma evolução nisso. Essa nova qualidade traz cores mais vivas. Há um grande impacto no resultado quando estamos falando da questão “cor”. Existe a quantidade de pigmento e a forma que ele é tratado na tinta. Quanto melhor a qualidade, mais intenso, mais vivo.
André: a cor amarela que está presente em várias das suas paisagens mais recentes me remetem muito à atmosfera da pintura simbolista do século XIX. Você enxerga um diálogo com essa pintura do passado ou prefere conversar com a pintura mais contemporânea?
Ramonn: acho que é uma mistura das duas coisas na verdade. Tem artistas contemporâneos que eu vejo muito. Por exemplo: David Hockney, inegavelmente. Elizabeth Peyton também. Tem Nils Dardel, lembra que te mandei aquele quadro incrível, da morte do dândi? Aquelas cores! Mas nem sei se ele seria considerado contemporâneo ou moderno. Enfim, é tanta coisa ao mesmo tempo, acho difícil apontar uma escola ou período. Quando comecei a fazer essas paisagens fiquei olhando muito para iluminuras medievais. Imagens que tinham a ver com o universo da alquimia e os próprios simbolistas como Odilon Redon e Franz Stuck.
André: já que você falou em alquimia, você sente no seu trabalho uma pegada mística, ou “espiritualista”?
Ramonn: Sim, mas de uma forma peculiar. É mais como um filme de fantasia, é a fantasia pela fantasia. Eu pego “a imagem” desse universo místico, que pode ter tido algum contexto religioso antes, e brinco em cima disso e crio um novo. Não se trata mais de religião, agora é uma imagem vinda desse contexto.
André: engraçado você falar isso. É algo justamente que a pintura simbolista gostava de fazer. Eles estavam nesse mundo industrial desencantado e se voltavam para essas sabedorias místicas de outro tempo, mas só para resgatá-las esteticamente, sem a chave real para acessá-las.
Ramonn: você acabou pegando a resposta para a pergunta de antes!
André: nessa fase nova, existe uma postura de colagem, de montagem. Os objetos, as figuras, os elementos visuais, parecem colados, ao invés de serem uma representação orgânica de uma cena. o que te atrai nessa forma nova de configurar a colagem?
Ramonn: engraçado, eu sempre vi minha pintura como colagem. Eu nunca consegui pensar numa cena integralmente. Eu me debruçava sobre o céu, que era uma coisa, depois sobre a figura, que era outra, e tudo mudava, depois sobre um terceiro objeto que exigia uma atenção diferente e por aí vai, eu ia “encaixando” tudo aquilo. Era uma verdadeira montagem. A diferença para agora é que antes eu tentava conectar todos esses elementos para parecerem que organicamente pertenciam a um mesmo espaço-tempo, para dar uma coesão. Agora me sinto livre para abandonar isso, como que sentindo um cansaço daquela postura. É como se agora eu voltasse a ser aquela criança que está customizando a capa do seu caderno, com elementos heterogêneos.
André: Você já pintou algum sonho seu?
Ramonn: Não. Acho que a coisa onírica nos meus quadros tem muito mais a ver com as formas e volumetrias das coisas neles – que permitem que o espectador às conecte a um estado de sonho. Por exemplo, as paisagens: elas são paisagens porque eu apontei isso, porque eu disse que eram, mas caso não tivesse dito, elas poderiam ser outra coisa, completamente. Eu digo que é uma paisagem – e dizer isso é uma grande coisa, é algo muito forte – mas na realidade, quando você vê de fato, aquilo está muito mais perto da abstração.
Serviço: Exposição O Fim é O Começo, de Ramonn Vieitez.
Visitação até o dia 28 de julho, de terça a sexta-feira, das 10h às 17h, e aos domingos, das 14h às 18h. Fechado aos sábados. Torre Malakoff (Praça do Arsenal, s/n – Recife-PE)
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Erramos: A versão anterior desse texto dava como dia 14 de julho o encerramento da exposição. O correto é 28 de julho. O post foi atualizado.