Alain Robbe-Grillet

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Alain Robbe-Grillet (Foto: Divulgação)

POR UMA ARTE INQUIETA
Morreu esta semana, Robbe-Grillet, autor de “O Ano Passado em Marienbad” que colecionava desafetos na mesma medida que adjetivos extremados
Por Rafael Dias

Controverso, malquisto pelos tradicionalistas, incompreendido, Alain Robbe-Grillet é aquele tipo de pessoa que nasceu em hora e lugar errados. Sua arte iconoclasta, perdoem o clichê, estava além do seu tempo. Talvez por isso nunca fosse dado a convenções e amarras morais e estéticas da época em que viveu. Modernista xiita, transgrediu todas as regras e fez da arte sua vida, levada ao extremo. A ponto de até o berço ilustrado da “liberdade”, a França, se revirar pelo avesso de ira. O baluarte do nouveau roman faleceu na última segunda-feira, em um hospital no noroeste francês, aos 85 anos de insuficiência cardíaca; quase sem alarde ou condolências. Deixa, porém, a marca de um estilo inquieto e vivo.

É verdade que houve comoção tímida com a morte de Robbe-Grillet. Pela sua atitude anti-establishment, compreensível que seja assim. Não era uma unanimidade, nem a queria; seu desejo não era fazer uma arte palatável às massas. Mas produziu o que muitos panfletários julgam fazer: propor algo novo, pulsante e em questionamento permanente, totalmente diferente do que foi feito antes. Não apenas demolir muros, e sim construir alguma nova fundação ali, mesmo que estranha. Uma arquitetura colossal, sinuosa e sem forma definida como um projeto de Niemeyer, por que não? Ou uma música atonal de Schoenberg. Para afrontar o puritanismo da literatura reacionária, presa ainda aos velhos conceitos do romance clássico.

Filiado à escola de Marguerite Duras e Claude Ollier, o escritor Robbe-Grillet escreveu obras-primas como Les Gommes, Le Voyer (que vendeu mais de dez mil exemplares naqueles idos de 1950) e La Jalousie (O ciúme), que consagraria sua narrativa lenta, enigmática e repetitiva e, não por menos, deixaria seus desafetos de cabelo em pé. Não faltaram imprecações a sua persona como não-literato. Mas ele nem se importava com os seus detratores. Foi polêmico até o fim da vida. Ano passado, já doente, publicou o romance A Sentimental Novel, alvejado pela crítica por conter descrições de incesto e pedofilia.

Mas a fama mundial de Robbe-Grillet se deve mesmo é a seus filmes. A bem dizer, mais como roteirista do que como cineasta, embora não fizesse feio na segunda opção. Dirigiu e escreveu pouco mais que uma dezena de filmes, como L’Immortelle (1963) e Glissements Progressifs du Plaisir (1974). A maior parte deles, pouco conhecidos ou inéditos por aqui no Brasil, ilustra a estante ou a memória de alguns cinéfilos. Ilustrava, até agora. Porque alguns de seus vídeos já podem ser vistos no youtube.

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O Ano Passado em Marienbad (1961)

Seu maior sucesso no cinema, no entanto, que, diga-se de passagem, lhe abriu as portas para se aventurar por trás das câmeras (foi indicado ao Oscar de melhor roteiro original), surgiu numa parceria com seu colega francês Alain Resnais. Os dois já estavam no auge do sucesso quando lançaram, em 1961, o petardo O Ano Passado em Marienbad (L’année dernière à Marienbad): Robbe-Grillet tinha escrito seus melhores livros, e Resnais colhia ainda os louros além das trincheiras francesas com o seu intenso e belo Hiroshima, Mon Amour (1959). Mas não sentaram sobre o orgulho. Alegórico e ultra moderno, Marienbad é um metódico exercício de estética livre sobre o amor, um libelo a favor da liberdade e da vida pela arte a qualquer custo. Transfigurados no espaço e no tempo, os personagens parecem seres diáfanos que sobrevoam dentro do jardim “perfeito”, impedidos de sair pelo medo existencial de errar.

Com Marienbad, Robbe-Grillet queria desconstruir a empáfia do narrador-observador prepotente, que domina os personagens e suas ações como um patriarca. Sua intenção era mergulhar na alma psicológica de suas criações para revelar o que há de mais íntimo, sem arestas ou sombras. E conseguiu adentrar destemido nos porões da angústia existencial humana como poucos. Se não foi totalmente compreendido hoje, algum dia será, decerto, num futuro próximo.

OBRAS

Romances

1949 – Un Régicide
1953 – Les Gommes
1955 – Le Voyeur
1957 – La Jalousie
1959 – Dans le Labyrinthe
1965 – La Maison de Rendez-vous
1970 – Projet Pour Une Révolution à New York
1976 – Topologie d’une Cité Fantôme
1978 – Souvenirs Du Triangle d’Or
1981 – Djinn
2001 – La Reprise
2007 – Un Roman Sentimental

Coletâneas

1962 – Instantanés

Ensaios

1963 – Pour un Nouveau Roman
2001 – Le Voyageur

Ficções de carácter autobiográfico

1985 – Le miroir Qui Revient
1988 – Angélique ou L’enchantement
1994 – Les Derniers Jours de Corinthe

Filmografia

1961 – L’Année Dernière À Marienbad
1963 – L’Immortelle
1966 – Trans-Europ-Express
1968 – L’homme Qui Ment
1971 – L’Eden Et Après
1974 – Glissements Progressifs Du Plaisir
1975 – Le Jeu Avec Le Feu
1983 – La Belle Captive
1995 – Un Bruit Qui Rend Fou
2006 – C’est Gradiva Qui Vous Appelle

Trailer O Ano Passado em Marienbad

Entrevista com o diretor (pra quem arrasa no francês)

Filme raro de Grillet, L’eden et après. Num dos comentários do filme no Youtube, o admirador, desesperado pergunta em três linguas onde encontra filmes do diretor.