Alexandre Figueirôa: Fassbinder, um autor compulsivo

rainer werner fassbinder

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Os editores de O Grito! me sugeriram um texto sobre o cineasta alemão Wim Wenders. Achei a idéia ótima e prometo que falarei do diretor de Asas do Desejo brevemente. Contudo, por esses dias fui assaltado por uma nostalgia de outro incontornável cineasta alemão: Rainer Werner Fassbinder. Ao lado de Wenders e Werner Herzog, ele foi um dos pilares do chamado novo cinema alemão, movimento que, embora um pouco tardiamente em relação a outras cinematografias, provocou um grande furor lá pelos anos 70. Graças ao Consulado da Alemanha, os filmes do cineasta foram exibidos aqui no Recife em cópias em 16mm no início da década de 80, e foi ali que ficamos conhecendo um dos mais instigantes artífices de imagens do século passado.

o casamento de maria braunAo morrer, por uma overdose de cocaína, na madrugada do dia 10 de junho de 1982, Fassbinder deixou como legado, de 17 anos de carreira, nada menos de 43 filmes produzidos para o cinema e televisão. Quando não tinha patrocínio financeiro, produzia filmes baratos, mas nunca deixou de exibir uma intensidade criativa invejável. Entre os representantes do novo cinema alemão, Fassbinder foi o mais provocativo, o mais anárquico, mas também um dos diretores modernos que melhor conseguiu transformar filmes em contundentes demonstrações da capacidade de uma artista compreender dramas humanos.

Ele começou no cinema em 1965, realizando um curta-metragem e, logo depois, foi fazer teatro com um grupo de Munique, o Teatro de Ação, que seguia o modelo do grupo norte-americano Living Theater. Como ator e diretor, Fassbinder, criou, junto com Peer Ruben e Hanna Schygulla, uma espécie de anti-teatro, assim denominado pela forma de representação pouco convencional dos espetáculos. Mas, em 1969, ele já estreava seu primeiro longa-metragem O Amor É Mais Frio que a Morte. O filme foi bem-recebido pelo público e pela crítica e selou o seu destino como diretor cinematográfico.

rainer werner fassbinder direita em fox and his friendsA vida do cineasta foi atribuladíssima e sempre marcada por uma convivência tumultuada com os que o acompanhavam, incluindo nesse rolo mãe, esposa, amigos e amantes (homens e mulheres), os quais atuavam nos seus filmes e peças. Quem se queixa do peso e angústia, sempre presentes nos filmes de Fassbinder, não deixa de ter razão. Não raro, os personagens engendrados pelo cineasta vingam-se de sua condição marginal pela morte dos seus algozes ou a própria, e caminham céleres para o desespero. Até quando escolhia romances para adaptação, como na monumental série para televisão Berlin Alexanderplatz, ele exibe uma mise-en-scène carregada de símbolos, que reforçam a impressão de uma história opressiva e sombria.

A mesma observação é válida para os filmes sobre o pós-guerra na Alemanha. Nota-se, claramente, o fato de Fassbinder nunca querer compartilhar a idéia de que o nazismo e, por tabela, as suas seqüelas estavam completamente resolvidas na alma do povo alemão. Revendo-se sua obra, verifica-se que boa parte dela continua de uma atualidade impressionante. Basta rever O Casamento de Maria Braun e Lili Marlene, seus trabalhos mais conhecidos comercialmente. Mas é em filmes como O Desespero de Veronika Voss e Querelle (adaptação do romance de Jean Genet), disponíveis em DVD, que vamos encontrar um Fassbinder ainda mais provocador, quando, sem abrir mão de uma estetização proposital na utilização dos cenários, da luz e da fotografia, nos faz deparar com as criaturas atormentadas e ambíguas que povoaram sua imaginação.

Nos filmes realizados por Fassbinder, admirador dos diretores Douglas Sirk e John Huston, assim como Fritz Lang e Joseph Von Sternberg, percebemos a mão de um autor completo. Se, no início da carreira, ele ainda se mostrava inseguro, um arremedo meio pobre da nouvelle vague francesa, ao consolidar seu estilo, ele construiu uma cinematografia vigorosa reflexo de uma existência escandalosa, mas intensa. Portanto, leitores de O Grito, não deixem de experimentar o gosto anárquico da fantasia.

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[+] Alexandre Figueirôa é doutor em cinema pela Sorbonne (França) e autor dos livros Cinema Novo: A Nova Onda do Jovem Cinema e Sua Recepção na França (Papirus) e Cinema Pernambucano: Uma História em Ciclos (FCCR). Atualmente é professor da Pós-Graduação em Cinema da Universidade Católica de Pernambuco. Escreve nesta coluna sobre os últimos lançamentos em DVD.