Eugene Hutz {Gogol Bordello | Festa Ciganomania (21/05/2008) Foto: Flickr /HeleN
O LESTE COMO NORTE
Rio vive fervor da cena neocigana que movimenta o mundo pop, com produção de documentário e festas neogypsy
Por Joana Coccarelli, colunista do Grito!
É o que tenho em comum com Nara Varela e Maria Almeida, organizadoras das festas cariocas Go East e Ciganomania: o amor pela música bálcan começou com a trilha sonora do filme Underground, do cineasta bósnio Emir Kusturica. Eu fiquei só na magia e no mistério, sempre imaginando a luta que seria encontrar o som do filme mesmo na internet. Nara e Maria fizeram muito mais: foram até o leste europeu e trouxeram de presente as primeiras noites neogypsy/balkan beats do Brasil.
Com a Go East, a cena se formou instantaneamente no Rio de Janeiro. Sua irmã mais nova, a Ciganomania, teve duas edições no fim do mês passado – ambas estreladas por ninguém menos que o ucraniano Eugene Hütz, o tresloucado líder da banda bálcan punk Gogol Bordello. Os eventos arrastaram gente de várias partes do país até o Cine Lapa, quartel general das festas. Muitos paulistas, presentes ou via internet, reclamavam Eugene para sua capital. Boatos corriam que ele não pôde se apresentar em São Paulo, porque o Gogol Bordello já estaria escalado para o TIM Festival 2008. Os que puderam fazer a viagem até o Rio de Janeiro esticaram cartolinas com tietagem de efeito para o ídolo.
Uma noite neocigana jamais é moderada. A música borda ombros agitados, braceios exóticos, gargalhadas mil. Todo mundo dança com todo mundo indiscriminadamente, numa dessas raras histerias do bem. O próprio Eugene Hütz autoproclama-se um “exhaustoholic”, aquele sujeito que não pára até cair. Fanfare, típico estilo musical bálcan, é a raíz da palavra que melhor explica o que acontece numa pista dessas: fanfarronagem.
Abaixo, Nara e Maria contam como fizeram a coisa chegar a este ponto.
Como surgiu a idéia da festa Go East? E da Ciganomania?
Maria: Nosso primeiro contato com a música dos bálcans foi em 2001, quando, durante uma festa em que nós estávamos tocando, um amigo romeno nos entregou uma fita K7 e pediu que tocássemos. Ele disse, “é música da Iugoslávia!”. Na verdade, era a trilha sonora do filme Underground, do Kusturica, com música de Goran Bregović. A festa, que estava paradona, virou uma coisa de outro mundo: todo mundo, literalmente todos da festa, vieram pra pista e dançaram até se acabar. Foi uma coisa mágica. Passamos anos só escutando essa trilha sonora, conhecíamos de cor cada acorde. Anos mais tarde, um amigo meu do Canadá, sabendo que eu gostava de umas coisas do leste europeu, me apresentou à música do Gogol Bordello, Eu surtei! Lembro que no mesmo dia gravei CDs pra Nara e pros meus amigos, pra mostrar o som novo pra eles. Foi aí que começamos a pesquisar músicas na mesma linha, e veio uma enxurrada de coisas que nos deixou completamente loucos. A Go East surgiu dessa necessidade nossa de mostrar pro pessoal daqui um tipo de música com o qual a gente estava – e ainda estamos, cada vez mais – encantados e viciados. Justamos força e fizemos a primeira edição, dando a cara a tapa mesmo. Não tínhamos nenhuma garantia de que daria certo – e deu!
Nara: Com ajuda de um amigo nosso, o DJ búlgaro Kosta Kostov, resolvemos fazer, na cara e na coragem, a “Go East”. Foi um sucesso, pois alcançamos lotação máxima em todas as festas. De alguma forma, Eugene Hütz tomou conhecimento do que estávamos fazendo. Era vontade dele morar no Rio e começar uma cena, e por sorte éramos os únicos que haviam feito isso antes. Conhecemos primeiro a Diana (Mititika), namorada e pesquisadora da cultura cigana, e depois Eugene. Então eles vieram com o projeto da Ciganomania. Ambas as festas Ciganomania foram sucesso de público.
Quem de vocês já esteve na Europa Oriental?
Maria: No fim de 2007 e início de 2008, eu e Nara conseguimos finalmente ir pros Bálcãs. Passamos dois meses entre a Sérvia e a Bulgária, absorvendo tudo que a gente podia da cultura, música e costumes. Ficamos a maior parte do tempo em Belgrado, capital da Sérvia, e passamos o Natal na Bulgária, em Varna. Pessoalmente, me encantei por Belgrado. É meu lugar preferido no mundo hoje em dia.
Nara: Foram dois meses incríveis. Também vimos a cena na Alemanha.
Flyer da Ciganomania
Como fizeram contato com os DJs e artistas gringos, como o Kosta e o Eugene?
Maria: O Kosta conhecemos através de um amigo em comum. Ele nos colocou em contato no final de 2006, quando começou a idéia fixa de trazer essa cena pra cá. Em março de 2007, ele chegava ao Brasil pela primeira vez. Com os outros DJs foi na cara de pau mesmo: tomei coragem e saí por aí mandando e-mails pra eles via Myspace, dizendo “Ei, adoro sua música, como faço pra tocar isso ou trazer você pra cá?”. E o pessoal, claro, mandou material promo. Começamos a nos falar e aí a coisa desenrolou. O contato com o Eugene foi fruto desse movimento todo que começamos. Ele ouviu falar das nossas festas através de conhecidos via internet. Daí nos mandou um email dizendo que vinha pro Brasil e perguntando se a gente não topava produzir uma festa com ele, que ele estava louco pra tocar por aqui. Claro que a gente topou!
Nara: Um DJ do nordeste entrou em contato com a gente e nos pediu para receber e conseguir alguma festa para o Kostov. Como fazíamos performances em festas de rock e electro com os nossos figurinos (somos universitários de Figurino, Artes Plásticas, Design e Moda), conhecíamos alguns produtores. Eu sempre digo que a Europa Ocidental já possui uma cena que está a mais de quatro anos rolando, e que já tava mais do que na hora de cruzar o oceano e “balkanizar” o Brasil.
Alguém já freqüentou essa cena fora do Brasil? E dentro?
Nara: Fora do Brasil eu tive a oportunidade única de ver a primeira festa em Belgrado de temática “tradição do leste europeu + eletrônico”, ou balkan beats. Foi maravilhoso! Na Alemanha fui na BalkanXpress e em Amsterdam estive na Nuit Zigane. Aqui no Brasil, eu vi apenas nossos DJs amigos tocando um som do leste. Sei que há DJs do Brasil e América Latina que exploram esse som, mas não sei se as festas que participam são 100% focadas nisso, como é na Go East.
Maria: Praticamente todas as maiores cidades européias de cada país tem festas fixas nessa linha, e mais um monte de eventos e festivais também. Em Belgrado, na Sérvia, estávamos presentes na primeira festa de balkan beats nos bálcans, realizada por um duo eletrônico de Belgrado chamado Shazalakazoo. Foi mágico! É engraçado isso: apesar da música dos Bálcãs ser sucesso na Europa Ocidental, o pessoal da Sérvia e do resto da Europa Oriental não faz idéia da febre que a música deles, remixada e relida, é nos outros países.
Quantas pessoas foram às festas em cada noite?
Maria: Na primeira Go East tivemos 400 pessoas. Na segunda, onde usamos apenas metade do espaço da primeira, tivemos 300 – num dia de chuva torrencial aqui no Rio. Na Ciganomania, tivemos cerca de 350 pessoas em cada edição, também utilizando metade do espaço da Go East. Batemos o recorde de lotação da casa, que já tinha sido estabelecido por nós mesmos, com a segunda Go East.
O que os artistas e DJs acham da emergência de uma cena bálcan no Rio de Janeiro?
Maria: Eles acham fenomenal. Muitos deles, que já tinham um contato grande com a cultura musical daqui – o Kosta e principalmente Eugene e Killo Killo – acham que realmente tem tudo a ver. Que o Brasil é um país que tem potencial pra fazer dessa cena algo muito expressivo, por causa da semelhança do povo, de alguns tipos de música e tudo o mais. O MC Killo Killo, por exemplo, toca numa bateria de samba em Novi Sad, na Sérvia, chamada sambaNSa (o NS maíusculos são de Novi Sad). Lá eles são um sucesso, são dezenas de milhares de pessoas em cada show. Já o Kosta iniciou em Köln, recentemente, uma festa nova só de música de países lusofônicos (Brasil, Portugal, Angola e por aí vai). Eugene volta e meia se apresenta com um grupo de batucada no Bulgarian bar, em New York City. É legal porque essa troca, entre os músicos de lá em contato com a música daqui, gera um quê a mais na cena que está surgindo no Brasil, que a diferencia de tudo o que existe na Europa até agora. É um passo além do que a cena bálcan/ Leste Europeu alcançou na Europa.
Eles curtem tocar aqui?
Maria: Muito! Quem não curte? Todo mundo quer vir, mandam e-mails pedindo e tal.
Nara: Eles amam tocar aqui. Temos um público incrivelmente aberto e participante. Pessoas nas festas vão caracterizadas com figurinos, gritam e cantam os refrões sem saber o que significam. Dançam dança-do-ventre e um abraça o outro sem nem se conhecer. A energia é maravilhosa. Além do mais, o pessoal do Leste possui uma forte identificação com a cultura brasileira. Eles vêem o Brasil como um paraíso distante.
O que eles fazem aqui quando não estão tocando?
Maria: Pesquisam! Acho que o ponto em comum de todos os que já vieram é que todos pesquisam muito sobre a música local enquanto estão aqui. E claro, curtem a noite na cidade, vão a festas, shows, bares, praia… e comem muito, hahaha. Todo mundo ama comida brasileira!
Nara: A praia é o lugar preferido deles. Também curtem muito ver a cena local, cada um com seu tipo preferido. O Kostov é completamente apaixonado pelo funk carioca, o Eugene fica hipnotizado com forró e o Killo Killo deixa escapar um grande sorriso quando ouve os primeiros batuques de samba. Todos curtem muito a nossa cachaça; e a gente pede pra eles trazerem Rakjia em suas malas.
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