PLASTICIDADE NA TELA
Filme memorialista sobre o artista plástico Zuleno e a pretensão sonolenta de Quadros aborda universo das artes plásticas, mas foi a dura realidade de Isso Não É O Fim que chamou atenção
Por Alexandre Figueirôa
Editor da Revista O Grito!
Os filmes Zuleno (PE), documentário com direção de Felipe Peres Calheiros, Isso Não É o Fim (BA), ficção de João Gabriel e Quadros (PR), outra ficção dirigida por Sara Bonfim, compuseram a grade da mostra de curtas da segunda noite do CinePE em sua 16ª edição. As obras exibidas atestam – algo que já tínhamos percebido na primeira noite – um filtro na seleção, pelo menos do ponto de vista técnico. Todos apresentaram no mínimo uma cuidadosa elaboração na fotografia e na composição dos planos. Embora, do ponto de vista narrativo, perceba-se ainda certa irregularidade dos resultados obtidos.
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Neste sentido, entre os filmes de ontem, o que alcançou melhor integração e equilíbrio, na composição do binômio forma e conteúdo, foi o curta do baiano João Gabriel, Isso Não É o Fim. Rodado em São Paulo, ele narra a história de um homem que mora na periferia da cidade e tem um banheiro na Rua Augusta, reduto underground da capital paulista, o qual ele aluga, por um real, cada cinco minutos de permanência. O banheiro então passa a ser usado não apenas para o usuário satisfazer suas necessidades fisiológicas, mas também para drogados ingerirem substâncias alucinógenas, casais de qualquer gênero seja hetero ou homo darem uma rapidinha e por aí vai.
Com um clima meio pesado, fotografia sombria, pouco uso de diálogos e galeria de figuras que exploram personagens bizarras que circulam pela noite, João Gabriel traça um painel rápido das tensões, paranoias, prazeres fugazes e até violência dos grandes centros urbanos (numa das sequências um grupo de punks espanca um casal gay). O proprietário do banheiro é um homem de aparência desleixada, mas que não deixa de se comover com as criaturas que circulam pelo local. Seu personagem poderia ser comparado ao porteiro do filme expressionista Der letzt Mann (A Última Gargalhada) de Friedrich Murnau, só que numa versão mais decadente e suja.
Outro filme da noite foi o documentário pernambucano Zuleno, uma justa e bem vinda homenagem ao artista plástico Zuleno Pessoa, falecido em 2008 com a idade de 92 anos. O curta flagra o artista nos seus últimos meses de vida, revelando uma criatura, apesar de debilitada pela velhice e doença, com o espírito alegre e sensível de alguém que tinha como principais paixões a luz, as cores e o som. Embora compreendamos o espírito de resgate proposto por Felipe Peres, o curta apresenta uma narrativa tradicional de documentário didático, evitando ousar em direção a um maior diálogo entre a narrativa e a plasticidade da pintura de Zuleno. O que certamente lhe conferiria um ritmo melhor capaz de deixar transparecer com mais força o lirismo do artista, cuja obra exalta o espírito e a expressão viva de sentimentos. E para isto seria preciso ter investido mais numa poeticidade das imagens. Todavia é um trabalho correto e cumpre sua função memorialista.
O que faltou em Zuleno sobrou em Quadros, de Sara Bonfim. Só que o excesso de tempero e a falta de consistência narrativa estragaram o prato. “Bom, mas o que esperar de um filme com um título deste”. Não fui eu quem disse isso. Foi meu ouvido atento que captou de um coleguinha da imprensa dando sua opinião, mas convenhamos que filmes com títulos como: Máscaras, Sombras, Olhares…, em geral nos leva a uma desconfiança ao que vamos assistir. Algo que Quadros confirmou a regra. Algumas imagens são realmente bonitas e certas sequências de puro nonsense conseguem estruturar composições curiosas. Tudo isto, porém, se perde num filme de ritmo sonolento com os protagonistas repetindo diálogos insossos com tiradas filosóficas que fazem os seus dezesseis minutos de duração parecer uma eternidade. A reação fria da plateia foi um ótimo indicador de que Quadros não emplacou.