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Foto: Divulgação.

“Presença”: curioso exercício de estilo de Steven Soderbergh enfeza mais do que satisfaz

Vendido como terror, filme é, na verdade, melodrama com viés espírita

Presença
Steven Soderbergh
EUA, 2025. 1h24. Gênero: Drama. Distribuição: Diamond Filmes
Com Lucy Liu, Chris Sullivan

Cineasta de produção profícua, sempre a lançar novos filmes (chegando a ter dois longas-metragens realizados no mesmo ano), Steven Soderbergh tem uma carreira tão variada quanto irregular. Entre obras mais comerciais e rentáveis, como Magic Mike (2012) e a Saga Onze Homens, o diretor não raro aposta em narrativas de menor orçamento, experimentando novos dispositivos de filmagem, como Distúrbio (2018), inteiramente feito com um iPhone 7 Plus. Independente do resultado das suas empreitadas, aprecio essa sede artística em explorar novas estradas, novos projetos. 

Presença (2024), que chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (3), é o mais recente exercício estilístico do sexagenário diretor. Distribuído como mais um terror da Neon, o filme é, na verdade, um melodrama sobre o enfrentamento do luto. O cerne do roteiro de David Koepp é o menos original possível: uma família se muda para uma casa e logo percebemos que eles não estão sozinhos. O elemento que distingue este de tantos outros filmes semelhantes é a abordagem estética: o espectador acompanha toda a ação pelo ponto de vista do espírito ali presente. A câmera subjetiva de Soderbergh é o olhar do fantasma que, assim como o público, começa a observar o cotidiano daquela família e seus dramas. 

Composto por várias tomadas sem cortes, em planos que buscam uma fluidez coerente à ideia de observação da dinâmica da casa, o filme acaba por adquirir uma montagem arrítmica, prejudicada pela ausência de sequências verdadeiramente tensas (a não ser em momentos muito pontuais e mais próximos ao desfecho da narrativa). Como já dito, o longa é essencialmente um drama e se refugia no embate do núcleo familiar: o ceticismo da mãe (Lucy Liu) e do irmão (Eddy Maday) ante a sensibilidade quase mediúnica de Chloe (Callina Liang), única a perceber as vibrações estranhas presentes no lugar. Há ainda o pai (Chris Sullivan) que acolhe a filha, enquanto lida com uma crise matrimonial que o roteiro joga despropositadamente, sem sentido, apenas para criar camadas aos personagens, mas qualquer acréscimo ao desenvolvimento da trama.

Enclausurada nas próprias delimitações técnicas e geográficas (o filme é totalmente rodado dentro do casarão mal-assombrado), a obra consegue envolver até a segunda página. Ao preferir se distanciar das convenções do gênero de horror, Presença apenas borrifa momentos de maior suspense, em cenas que parecem um esboço para um filme de terror que a obra nunca se torna. De forma infinitamente superior e mais criativa, essa subversão de filme de fantasma foi belamente lograda por David Lowery em Sombras da Vida (2017), produção cuja profundidade temática (morte, luto, existência extrafísica, espaço-tempo) está totalmente alinhada à inventividade estética proposta. Enquanto no filme de Soderbergh, a premissa imagética se sobressai frente a um roteiro duvidoso, sem capilaridade dramática.

Há temas claramente subaproveitados – saúde mental, bullying, machismo – numa história que se mantém na superfície. Então o problema fica evidente: o filme opta pelo drama, mas decide não abraçar a complexidade das temáticas levantadas. Em meio à superfluidade da narrativa, o elenco é satisfatório, performances eficientes à proposta. Já outro quesito técnico ajuda a compreender a fragilidade da produção: para uma obra onde a plasticidade cinematográfica é tão latente, o design de som de Presença percorre terrenos de pouca inspiração, jamais se tornando elemento substancial para a experiência do filme. Em determinadas cenas, imaginei como um trabalho sonoro mais apurado engrandeceria a situação. 

Para os fãs de horror, a frustração pode vir a galope; o novo longa de Steven Soderbergh passa longe do gênero, apenas adotando o elemento sobrenatural como fio condutor da história. Ainda que com algum frescor visual, o filme não se sustenta e se decompõe, paulatinamente, em um drama espiritualista frágil, acerca dos modos de lidar com o luto e a crença no além-túmulo. Ao subir dos créditos, a sensação é de uma produção com enorme potencial desperdiçado. 

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