Dahomey
Mati Diop
SEN,BEN,FRA, 2024. Documentário. 1h08. Distribuição: Mubi
Mati Diop, cineasta franco-senegalesa que explodiu no cenário cinematográfico mundial com o ótimo Atlantique (2019), produziu mais uma instigante joia audiovisual. Vencedor do Urso de Ouro do último Festival de Berlim, Dahomey (2024) é um documentário contemplativo, marcado pelo silêncio de longos planos, mas não se engane a leitora e o leitor: é um filme que grita e denuncia as feridas ainda não cicatrizadas da população do Benin, país africano colonizado pela França, cuja independência só veio acontecer no recente ano de 1960.
A narrativa acompanha a restituição à nação africana de 26 obras de artes históricas, em 2021, numa espécie de gesto de reconhecimento do país francês aos desmandos e violências durante o período colonial. Parte dos beninenses, principalmente os mais jovens, consideram a atitude um insulto: estima-se que milhares de peças foram rapinadas pelas tropas francesas. Como fio condutor da história, a diretora personifica uma das peças restituídas, dando-lhe uma voz (narração em off) que filosofa sobre sua condição de objeto a ser levado à sua terra natal.
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A decisão do roteiro, além de criativa, é essencial para estabelecer a conexão entre as peças e os milhares de refugiados que, em outro nível de opressão, são arrancados de seus países de origem para tentar sobreviver e viver o sonho europeu. Não à toa a primeira imagem do filme são dezenas de miniaturas luminosas da Torre Eiffel, dispostas no chão de alguma rua parisiense, provavelmente vendida por um comerciante informal africano. Como já dito, Mati Diop explora todo o campo dos planos do filme, compondo imagens de uma força notável, magnetizante, e cujos simbolismos realçam a profundidade temática e estética.
Para um filme de sucintos 68 minutos, fiquei com a impressão de algumas cenas se alongarem mais que o necessário, como o debate entre os jovens sobre a postura em relação à restituição das obras. Apesar de um rico mosaico acerca das percepções de diferentes sujeitos do país africano, a passagem me despertou a curiosidade sobre a opinião de outras camadas sociais. Ali, claramente, vemos jovens politicamente engajados, instruídos. É um fragmento interessante da população, mas, ao meu ver, insuficiente. A solenidade de recebimento das obras, com toda a pompa e as vestimentas chiques, dão a deixa de que muitas pessoas do país enxergam a restituição das obras de arte como algo histórico, importantíssimo.
A inventividade narrativa de trazer as inanimadas obras de arte à vida, com voz e pensamentos, é o grande trunfo de Dahomey. “Eu não pensei que veria a luz do dia novamente”, revela uma das peças de arte no raiar de um novo dia. A frase carrega tantas camadas, tantas reflexões são possíveis diante do que é dito por estes personagens. Sentimento de não pertencimento, identidades desenraizadas, a própria solidão do monólogo que é uma narração em off.
Depois de ser exibido durante a Mostra de São Paulo, o filme de Mati Diop teve sua primeira sessão no Recife, na sexta (3), como parte da programação do Janela Internacional de Cinema. Há ainda uma segunda chance de conferir a produção: Dahomey tem outra sessão na próxima sexta-feira, 8 de novembro, às 19h, no Cinema do Museu.