Armadilha
M. Night Shyamalan
EUA, 2024. Gênero: Suspense/Terror. 1h45. Distribuição: Warner.
Com Josh Hartnett, Ariel Donoghue
Em seu mais novo filme, Armadilha, M. Night Shyamalan caiu em uma emboscada criada por ele mesmo e acabou levando o público junto. Ao tentar criar uma experiência de suspense tendo como cenário um megashow de um ícone pop global, o cineasta meteu os pés pelas mãos e o resultado é bem decepcionante.
A premissa do filme é até intrigante e atual devido ao recente caso de cancelamento dos shows de arena da cantora Taylor Swift por conta de ameaças terroristas, na Áustria. O filme, porém, acaba indo para um universo cômico e não convence, sobretudo ao escolher o esquecido galã de Hollywood, Josh Hartnett (Pearl Harbor), como o protagonista do filme. Ele interpreta Cooper, um pai psicopata-assassino em série, que descobre estar numa armadilha armada pelo FBI ao levar sua filha, Riley (Ariel Donoghue) ao concerto da diva teen Lady Raven, interpretada pela filha de Shyamalan, Saleka.
Com grandes sucessos de crítica e público como os longas Sinais (2002), O Sexto Sentido (1999) e A Vila (2004), os amantes da filmografia Shyamalan vão encontrar em Armadilha alguns elementos cinematográficos que consagraram o diretor indiano como um dos destaques do cinema de suspense psicológico.
A direção de fotografia, por exemplo, é uma delas. Ela é dinâmica com composições posicionando o elenco no canto da tela, quase saindo do quadro, o que ajuda a criar o sentimento de desconforto e o alerta de perigo para o público. Outro elemento característico de Shyamalan presente em Armadilha é o foco no universo do relacionamento familiar, utilizado com eficiência em seu filme anterior Tempo (2021). E por fim, as situações de perigo relacionadas a distúrbios mentais de seus protagonistas.
Dessa vez, Shyamalan aposta no carisma de Josh Hartnett para viver o papel do bombeiro Cooper, pai de duas crianças, o garoto Logan (Lochian Miller) e a adolescente Riley. O filme se passa em dois universos do estado americano da Pennsylvania: na Arena Tanaka, no centro da capital Filadélfia, e nos subúrbios de classe média da cidade. Cooper leva Riley para assistir ao megashow da diva pop teen Lady Raven, na Arena Tanaka. O concerto é uma oportunidade para aproximar pai e filha, além de ser uma tentativa de Cooper para restaurar a autoconfiança de Riley que não consegue fazer amizades com outras garotas da sua idade na escola.
Com o andar do show, Cooper nota algo esquisito com a quantidade de seguranças e forças militares presentes dentro e ao redor da Arena. Nesse momento, um vendedor de produtos de merchandising do tour de Lady Raven (Jonathan Langdon) elogia a atitude de Cooper como pai na hora que Riley fica frustrada ao tentar comprar uma camisa do show quando outra fã na fila já tinha pedido antes de Riley pela última peça no tamanho P. Cooper pede para a filha ignorar a atitude arrogante da outra fã e esperar por outra oportunidade. O vendedor simpatiza com os dois e pede para eles voltarem mais tarde, pois ele iria conseguir uma camisa no estoque, só para eles. Cooper aproveita a empatia do vendedor para perguntar qual a razão de tanto segurança na Arena. Sem muito cuidado, o vendedor confidencia que todo o show é uma armadilha da polícia e do FBI para capturar um assassino em série de identidade desconhecida rotulado de o “Butcher” açougueiro em inglês.
Sem muito suspense e surpresa para o público que tenha assistido o trailer do filme antes, já ficamos sabendo que o assassino caçado é o próprio Cooper. Ele sequestra pessoas aleatórias e depois de torturar suas vítimas física e emocionalmente, ele as degola. Aproveitando que sua identidade é desconhecida por todos os presentes na Arena, até mesmo a polícia, que só tem pistas da localização do suspeito, Cooper vai ter que buscar o impossível para escapar dessa armadilha sem ser descoberto.
O primeiro sinal de que algo está errado com as decisões de Shyamalan acontece com a escolha de Hartnett para fazer o papel de um psicopata assassino em série. O ator, agora nos seus 40 anos, não convence como um psicopata perigoso e deixa brechas para uma performance cômica repleta de clichês, abusando dos olhos arregalados para explicitar que é um maníaco. O perfil de galã do ator destoa da proposta do filme de tentar aterrorizar o espectador. Seu porte físico é explorado de forma sensual tal e qual o lobisomem Jacob da saga Crepúsculo, personagem interpretado pelo ator Taylor Lautner, eternizado como símbolo sexual após aparecer constantemente sem camisa.
Essa parte de Armadilha deve agradar os fãs da beleza de Josh Hartnett. Talvez um artifício utilizado de propósito para atingir um possível público-alvo do filme: pessoas viciadas nos telefilmes sobre pais e maridos psicopatas exibidos no canal de TV a cabo Lifetime.
O filme como experiência de cinema não desenvolve o elemento de suspense e/ou espetáculo eficaz o suficiente para segurar a atenção e dedicação do público nos seus 105 minutos de duração. A obra lembra mais um telefilme de TV a cabo ou streaming para ser visto na hora da refeição. A leveza e suavidade da execução das cenas de violência e pânico também reforçam o aspecto “família” do longa.
O diretor não consegue criar um horror psicológico e estabelecer uma conexão emocional com o público para os momentos de tensão, não alcançando a inquietação e a sensação de estarmos numa emboscada. Para engajar o espectador como um público ativo, Shyamalan poderia ter feito uma imersão mais profunda da câmera durante a reprodução do show. Mas, ao contrário, parece que estamos assistindo uma transmissão pelo canal de TV a cabo Multishow sentados no sofá da sala ao invés de sentirmos a claustrofobia da multidão e a pressão gerada com os gritos de fãs entusiasmadas, características de megashows como os de Taylor Swift.
A trama é mais bem construída quando Shyamalan nos leva para a casa da família de Cooper, um subúrbio de classe média, e nele conhecemos sua esposa Rachel, interpretada por Alison Pill (Scott Pilgrim Contra o Mundo). Ela nos convence ao performar o estereótipo de dona-do-lar de classe média branca americana. Em uma das cenas de cafezinho na sala de estar da família, a generosidade e hospitalidade de Rachel chega até a resgatar um pouco a sensação de interatividade que a narrativa poderia ter, mas são tentativas minúsculas, tardias, e incapazes de nos fazer sentir assustados ou presos em uma experiência de armadilha de verdade proposta pelo título e material promocional do filme.
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