Essa mania de chamar de rainha mulheres que brilham por seu talento é muito cafona. Rita Lee não era “a rainha do rock brasileiro”. Rainhas são filhas bem-comportadas da aristocracia. Rita Lee era justamente o oposto. Era o próprio roque em row, era a ovelha negra da família, rebelde, irreverente, e que nunca deixava por menos quando tinha a chance de soltar farpas certeiras contra a caretice.
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Desde os meados da década de 1960, nos tempos d’Os Mutantes, uma das bandas de rock psicodélico mais incríveis que já existiram nessa terra tropical, Rita Lee, ao lado de Arnaldo Baptista e Sérgio Dias, esteve presente em momentos chaves da música brasileira do período. Embora eu ainda fosse um adolescente, já ficava fascinado com a sonoridade e as deliciosas bizarrices dos Mutantes.
Mas Rita, Arnaldo e Sérgio não eram só engraçados. O grupo acompanhou Caetano Veloso na emblemática apresentação do artista, em 1968, da música “É Proibido Proibir”, no Festival Internacional da Canção. Quando a plateia começou a vaiar a apresentação, Os Mutantes viraram as costas para o público e continuaram tocando. Eles também se apresentaram com Caetano e Gil, em 1969, na boate carioca Sucata, no espetáculo em que a bandeira com as inscrições “Seja Marginal, Seja Herói”, de Hélio Oiticica, foi pendurada no palco e foi um dos motivos para a censura militar proibir o show.
Na década 1970, Os Mutantes se afastaram do tropicalismo e se voltaram mais para o rock’n’roll. Nesse período lançaram os seus discos mais conhecidos, a exemplo de Jardim Elétrico, um álbum que eu não cansava de escutar. Na época, também, como esquecer das canções compostas por Arnaldo e Rita Lee, entre elas “Balada do Louco” e “Vida de Cachorro”? Lembro também de quando Rita se casou com Arnaldo para se tornar mais independente em relação aos pais da família de classe média de onde viera e, na volta da suposta lua de mel, eles foram no programa de Hebe Camargo, na televisão, e rasgaram a certidão de casamento na frente das câmeras.
Quando foi expulsa dos Mutantes ninguém entendeu direito o que estava acontecendo, mas Rita logo reapareceu com a amiga Lucia Turnbull, na dupla Cilibrinas do Éden. A dupla se desfez em pouco tempo, mas depois reapareceu com o grupo Tutti-Frutti que lançou em 1975 um dos discos clássicos do rock brasileiro: Fruto Proibido. Eu, já grandinho e solto no mundo, seguia os passos de Rita e lembro como se fosse hoje, ao lado de Lau Veríssimo, juntinho do palco armado na quadra do Geraldão, dançando e fazendo coro com Rita Lee na música “Esse Tal de Roque Enrow” numa das vezes em que ela veio ao Recife.
Se depois disso não a vi mais ao vivo e em cores com a guitarra, esbanjando energia, nunca deixei de ser seu fã. O disco seguinte, Entradas e Bandeiras, quase furou no meu toca-discos. Eu queria ser corista de rock pra ver a lua aparecer e botar a boca no mundo. E se já tínhamos raiva dos milicos, ela cresceu ainda mais quando em 1976 prenderam Rita por causa de uma trouxinha de maconha que ela carregava na bolsa.
Depois dessa treta sinistra, chegaram os anos menos radicais quando ela, em parceria com o novo marido, Roberto Carvalho, voltou-se para um estilo mais pop. E que delícia essa nova fase. Fomos flechados pelas letras e melodias dançantes de “Lança Perfume”, “Baila Comigo”, “Saúde”… ai de mim que sou mutante, como você era Rita. As festinhas do final de semana ficaram mais legais, até as novelas ficaram mais bacanas com suas trilhas. Depois disso você foi sumindo um pouco das paradas de sucesso, mas foi-não-foi nos encontrávamos em alguma playlist de sucessos os anos 1980, nas entrevistas divertidas, nas suas reações contra o autoritarismo, como aquele lance do show em Aracaju onde você ficou revoltada pela ação truculenta da polícia e acabou indo parar na delegacia por desacato à autoridade.
Com a idade, como todos nós, você ficou com a saúde frágil, mas não perdeu o bom humor e a irreverência. Agora, porém, chegou a hora e você partiu, mas tenha certeza de que continuamos contigo porque somos turistas de guerra, com o vírus do amor dentro da gente, graças a você.