lembro quando a fernanda young adquiriu fama de imbecil. até então todo mundo gostava dela – pegava bem gostar dela, o produto moderno e descolado do canal mais afetado da tevê à cabo brasileira. só que houve uma certa vez em que começou a falar mal de gente idosa: dali pra frente, fernanda nunca mais foi unanimidade.
essa correção política, da qual no passado fui grande defensora, hoje quase me ofende. simplesmente porque ela não dá espaço para que sejamos humanos, que não gostemos de alguma coisa – e façamos piada, ou fiquemos indignados com o que quer que seja (reações que sabidamente nos ajudam a lidar com estranhamentos em geral). nunca fui tão hipócrita quanto na época em que tentava me convencer de que era muito feio me aborrecer com criança mal-educada (“ó, é só uma criança!”) e que comer carne era crime. correção política é para trogloditas morais que chamam negros de crioulo, mulher independente de puta e se recusam a apertar a mão de gays. não é o meu caso.
de modo que eu tô com a fernanda young e não abro. tenho cada vez menos saco pra velho. mas não é qualquer velho: é pra senhoras, sexo feminino, de classe média. taí uma gente que domina o espaço público como se estivesse na sala da casa delas e trata as pessoas em geral como se fosse sua criadagem.
outro dia uma dessas figuras resolveu aboletar sua enorme sacola de compras bem em frente à roleta de um microônibus cuja entrada e saída fazia-se apenas por ali. todo mundo, sem exceção, tropeçava quando passava – e nada da dona arrastar a bolsa pro lado, onde inclusive o lugar estava vazio. fiz questão de tropeçar, “sem querer”, a bolsa na hora de sair – um pretexto para, gentilmente, sugerir que ela a chegasse um pouco pro lado. pra quê: a mulher começou a falar alto, dizer que ela não se incomodava se eu tinha tropeçado em suas coisas. tentei argumentar e a velha me chamou de pirralha, “sua pirralha!” (denominação que, aos 33 anos, na verdade me agradou). então, achando até engraçado, olhei demoradamente pra cara dela e esperei que o ônibus chegasse ao ponto. ela deu a deixa: “você deveria respeitar uma senhora de idade!”. eu, já descendo a escada: “uma senhora não chama uma moça de pirralha. a senhora não é uma senhora: a senhora é uma velha!”.
já do lado de fora do ônibus, ainda deu escutar a gargalhada geral de todos aqueles que haviam topado na maldita bolsa ao entrar.
não vou me deter em todos os casos de velhas que por acaso já testemunhei, do destrato que reservam às pessoas humildes ao hábito perpétuo de atravessar, com suas vozes ásperas, diálogos entre vendedoras ocupadas e um cliente. basta dizer que ver uma delas caminhando na rua segurando nos braços de uma senhora negra, tão ou mais idosa (e que curiosamente não precisam de acompanhantes), é uma cena muito casa grande & senzala demais pros anos 00.
então os bem-intencionados dizem, “ah, mas ela tá velha! um dia também chegaremos lá”.
sinto muitíssimo: nunca na minha vida presenciei senhores idosos ou senhorinhas humildes fazendo nada parecido. cabelo branco não é passaporte para falta de respeito. é culpa da esclerose? vai se tratar – ou se acostume a tomar passa-fora de gente cinqüenta anos mais jovem.
nunca é tarde pra tomar uma dura.