Entrevista: Paulo Scott

Paulo Scott (Foto: Fernanda Chemale/ Divulgação)

Paulo Scott (Foto: Fernanda Chemale)

O ABSURDO QUE CABE NA ROTINA DE QUALQUER UM
Por Rafael Dias

Poeta, contista e romancista, Paulo Scott é uma das recentes revelações da literatura brasileira contemporânea. Com um estilo conciso, cáustico, à beira do niilismo e da narrativa anarquicamente irônica, o escritor gaúcho se infiltra nas fendas do comportamento humano para revelar o absurdo que se manifesta na indiferença e na aparente “normalidade” do cotidiano. Nada mais próprio à angústia do homem pós-moderno (ou seria pré-arcaico?). O autor está em evidência com o filme Ainda Orangotangos, do diretor também gaúcho Gustavo Spolidoro, adaptado do livro homônimo, que acabou de angariar elogios mês passado nos festivais de Roterdã (Holanda) e de Tiradentes (Minas Gerais) e deverá estrear no próximo dia 14 de março nos cinemas.

Aproveitando o burburinho, a editora Bertrand despeja nas prateleiras a segunda edição da coletânea de contos curtíssimos, lançada originalmente pela extinta Livros do Mal, em 2003. Numa breve pausa de seu périplo pela Oceania (hospedado em Sydney, na Austrália, estava ainda arrumando as malas para dar um pulo na Nova Zelândia), Scott conversou com O GRITO! por e-mail e falou sobre a expectativa de “estrear” no cinema.


O GRITO! – Você faz parte de uma leva de novos escritores que vem conquistando “lugar ao sol” na literatura nacional: Daniel Galera, Luiz Ruffato, Fabrício Carpinejar, só para citar alguns. E, em comum, muitos de vocês saíram da seara gaúcha. É fácil para um escritor estreante cavar seu espaço no País, sobretudo para aqueles que estão fora do tão malfadado “eixo” Rio-São Paulo?

Paulo Scott – A internet quebrou este negócio da distância. Os editores acompanham e descobrem novos autores a partir das revistas eletrônicas, a partir dos blogs. A prova disso é que autores novos acabaram ganhando o mesmo espaço dos já consagrados nas páginas dos suplementos de cultura.

Sua relação com as novas tecnologias é muito aberta (tem blogs (blogdopauloscott.blogspot.com), escreve para sites, como o Terra e a revista literária Cronópios). Ao mesmo tempo, realiza projetos como o Na Tábua, que fixa cartazes em murais e paredes de capitais como São Paulo, em parceria com o ilustrador Fábio Zimbres. A internet, como ferramenta de divulgação da produção literária, não exclui o lema ‘faça você mesmo’ dos zines e cartazes?
O Na Tábua é a experiência lúdica que nos mantém saciados – é quase uma teimosia, mas é muito gratificante. O ‘faça você mesmo’ é fundamental. Na história da literatura, os grandes autores sempre editaram revistas, suplementos, jornais literários (quando não pagaram as edições de suas obras que depois virariam clássicos – claro, não estou me comparando a nenhum gênio da literatura, só estou enfatizando que ficar parado chorando as pitangas não ajuda nada). No geral, penso que promover é interagir – o que reflete positivamente (e areja) no trabalho de quem está envolvido.

No seu livro Ainda orangotangos (2003), que acaba de ser reeditado pela Bertrand, os personagens trafegam entre o absurdo, a solidão, o violento e o trágico, presos a fragmentos do dia-a-dia que parecem não ter fim; são inconclusos. Primata, moralmente débil e subtraído do progresso tecnológico, o homem pós-moderno não tem outro futuro senão o vazio sombrio e insolúvel?
É a luta eterna que não está apenas na sociedade, mas consubstancia a existência de cada um de nós. É fácil cair no abismo – todos temos nossos fantasmas e é preciso encará-los de qualquer jeito. Os contos têm um tratamento quase poético, não em razão da estética, mas por não descartarem a experimentação narrativa e o valor da imagem, do impacto da imagem para que depois o leitor se resolva por sua própria conta.

“O ‘faça você mesmo’ é fundamental. Na história da literatura, os grandes autores sempre editaram revistas, suplementos, jornais literários. (…) ficar parado chorando as pitangas não ajuda nada”

Há muito sarcasmo, fina ironia, absurdo e acidez em seus contos. Por que o humor negro?
É o trágico. Saliento, estresso as relações até o limite, até onde se possa dizer que apesar do absurdo aquilo poderia reinar no pensamento, na rotina de qualquer um de nós. Tenho forte influência do [Jean-Paul] Sartre e do [Louis-Ferdinand] Céline – acabo não me importando com o exagero se, no fundo, a estrutura narrativa, mesmo que densa e propositalmente intrincada, não se perder.


O que achou da adaptação cinematográfica de Ainda orangotangos, dirigido pelo seu amigo Gustavo Spolidoro? Apesar de reunir apenas seis dos 22 contos, o filme consegue captar todas as camadas da sua obra, suas intenções e ainda dar um novo sentido?

Hoje, o Gustavo é o cineasta jovem mais importante do Rio Grande do Sul, é uma alegria ter um trabalho meu funcionando de plot para um projeto tão ousado. Apesar da ousadia de nossos trabalhos, todavia, reconheço que temos abordagens estéticas diferentes (o que deixa o resultado ainda mais interessante), até porque são linguagens diferentes. Penso que o filme é uma nova obra, não há urgência de fidelidade nesta relação. O Gustavo foi atrás do que era importante para ele a partir da leitura que ele fez. O leitor completa o livro, ter um interlocutor tão talentoso como o Spolidoro é uma honra.

“Tenho forte influência do Jean-Paul Sartre e do Louis-Ferdinand Céline – acabo não me importando com o exagero”

Como está sendo a experiência aí em Sydney, Austrália? No blog, você relata que lê os jornais locais e gosta de caminhar pela cidade sem destino certo. Há muita diferença cultural com o Brasil?
Eles são descontraídos como nós, mas não têm a cultura da Lei de Gerson [de levar vantagem]. A cidade é linda, é uma Londres com sol. Eu morei em Londres e não tenho como não relacioná-las. Leio jornal (mesmo que isso tome um tempo), porque é a forma mais rápida de entender a cultura e o que está acontecendo, na área cultural inclusive. Apesar de termos a mesma descontração, tem essas duas pontes imensas: nós somos latinos, eles são anglo-saxônicos – basta ver o reflexo religioso (e existencial) que decorre disso; e eles estão colados na cultura asiática (a compreensão deles do que se passa no Japão e na China, por exemplo, é imensa).

Durante esse período de “descanso”, que projetos trabalha em mente?
Bem, tem o romance da Editora Objetiva que preciso terminar este ano; o libreto de uma ópera que estou escrevendo para um compositor que mora na Inglaterra, o Eduardo Reck Miranda; uma peça de teatro para as atrizes Fernanda D’umbra e Natália Lage. É isso, já tá de bom tamanho até para um agitado como eu.