Crítica: Years & Years e o poder da espiritualidade queer

7.5

2018 foi o ano do pop desafiar a heteronormatividade vigente na indústria e fez isso imaginando um mundo distópico, futurista e sombrio, mas também com um contraponto espiritual, uma resistência sonhadora. É o caso de Dirty Computer, de Janelle Monáe; em menor grau os dois singles do Troye Sivan e agora Palo Santo, do Years & Years. A dupla britânica liderada por Olly Alexander reafirma essa busca por novas expressões de sexualidade, corpos e vozes dentro da indústria.

Musicalmente, no entanto, segue-se uma sonoridade ainda muito presa ao electro-pop dos anos 90 misturado a uma estética do R&B estacionado nos anos 80/90. O novo disco da banda, assim como fez Janelle, também veio acompanhado de um filme para ilustrar melhor todo seu conceito. O curta Palo Santo traz Olly, o ator Vithaya Pansringarm em uma história narrada pela atriz Judi Dench. Nesse mundo pós-apocalíptico os androides são fascinados pelas emoções humanas.

Olly é um desses sintéticos cativos que vive aprisionado em um cabaré para entretenimento do público. Há uma alegoria para o aprisionamento trazido pela fama. Mas vai além, pois Olly reflete sobre o conceito do sagrado através de todo o álbum, quase como se buscasse uma espiritualidade queer baseada na aceitação e na valorização do indivíduo.

Por isso faixas como “Hallelujah” “Sanctify”, injetadas de catarse dance tratam dessa busca espiritual. “Preacher”, com seu pop dançante cheia de falsetos, fala da frustração que é ser rejeitado pelas religiões ao se assumir. E tem a dramática “Up In Flames”, que parece saída de uma coletânea EDM dos anos 80, para tratar de pecado e desejo, uma das principais questões do indivíduo queer na sua busca espiritual.

As questões trazidas pelo disco ganham mais força ao lembrarmos que Olly é hoje uma das principais vozes LGBTs no mundo pop, dedicado a tratar de temas importantes como a saúde mental de jovens gays. Além disso, a sexualidade do músico foi sendo descoberta ao longo de sua fama, o que por si só já traz conflitos enormes. Na estreia, Communion (2015), já se tinha letras bem francas sobre sexo gay.

Nos anos seguintes ele passou a lutar com o preconceito que vivia na sua vida particular através de sua persona artística. No ano passado, ele foi tema principal de um documentário da BBC que trata de sua homossexualidade, Growing Up Gay, onde mostra sua relação conturbada com seu pai.

Palo Santo consegue expurgar essas questões pessoais imaginando uma narrativa distópica para falar que o mundo para os LGBTs e pessoas queers em geral, hoje, ainda não é o ideal. O disco também projeta o Years & Years para um terreno mais alternativo do pop, ao lado de nomes como o Perfume Genius, e menos atrelado a uma lógica industrial de paradas de sucesso.

E, por fim, coloca um novo paradigma do astro masculino do pop: seguro quanto à própria sexualidade, vulnerável, longe do estereótipo do macho hétero sedutor e esteticamente inovador. Que venham novos Ollys por aí.

YEARS & YEARS
Palo Santo
[Polydor/Universal, 2018]
Produzido por Years & Years, Greg Kurstin, Mark Ralph e outros

yearsandyears

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