QUADRINHOS SAEM DO ARMÁRIO
X-Men se mudam da cinza Nova York para a liberal San Francisco para discutir melhor temas como aceitação da homossexualidade. Mas ser gay nunca foi tão lucrativo
Por Talles Colatino
A indústria do entretenimento, à medida que podou os desdobramentos das expressões midiáticas culturais, extrapolou paradigmas em relação aos personagens dos seus produtos. A televisão, o teatro contemporâneo, o cinema, a literatura pop e os quadrinhos se pautam por essa cartilha industrial pós-moderna e lançam uma questão tão ideológica quanto duvidosa: até que ponto a presença de personagens marginalizados contam como um recurso para se pensar a política social? Sendo mais direto agora: pare e pense quantos personagens gays você viu nos últimos cinco anos nessas mídias citadas acima?
O questionamento desse texto não parte do nada. Recentemente o universo dos quadrinhos recebeu a notícia de que os X-Men estavam de mudança, da sonâmbula Nova York para a ensolarada São Francisco. E o motivo definitivamente não é o bronzeamento natural. “Levá-los para São Francisco nos dará entre outras coisas uma liberdade muito maior para lidar com as questões de sexualidade que sempre estiveram presentes em alguns dos X-Men”, explicou o editor da Marvel, Axel Alonso, durante a San Diego Comic-Con, mês passado.
A capital gay foi a escolhida para trabalhar o maior tema da série: aceitação. “Veja o Anjo. Agora ele pode andar pelas ruas com as asas para fora. Acho que agora poderemos ver vários personagens aproveitando estas novas liberdades, porque suas diferenças são abraçadas pela cultura local”, disse Alonso. Mas o interessante não é pensar no fato em si, mas sim as circunstâncias que levaram à migração dos mutantes.
Certamente não era preciso ir a São Francisco para trabalhar a homossexualidade de certos mutantes. Mas era necessário ir a São Francisco para emplacar o alarde que conseguiram fazer à custa de um tema já batido por tantas e mais seriados, filmes e telenovelas. Mas nas artes seqüenciais gráficas, a representação da homossexualidade parece gerar uma angústia maior. Retratar gays definitivamente não é pensar o assunto ou denunciar os anseios de uma minoria. E tente se lembrar de algum gay bem resolvido nos quadrinhos. Ok, vá além. Pense no cinema, na televisão e na literatura também. Um doce para quem contar mais de cinco.
Vide todas as investidas e contra-ataques questionando o relacionamento de Batman e Robin desde os primórdios dos personagens. Nunca houve uma confirmação, mas também não houve uma negação. E o atrativo dessa dúvida sempre foi muito rentável para a DC Comics, visto a infinidade de arcos e cenas que alimentavam a imaginação de leitores amigáveis ou não à suposta união do Cavaleiro das Trevas com o Menino-Prodígio.
Capas da edição 500 do Unicanny X-men
Em se tratando dos mutantes, a retratação de gays foi construída junto com a volução dos tempos e de novos paradigmas de ficção. O caso máximo é exemplo da própria Marvel, no próprio X-Men. Estrela Polar, herói da Tropa Alfa, que se revelou homossexual no início da década de 90 em histórias não (frisem o não) publicadas no Brasil. Foi um verdadeiro e longo parto para que a realidade do personagem fosse fugindo de um estereótipo vitimado e passasse a ser posicionar como um gay bem resolvido com sua condição. Coisa que o “novo” (para não dizer ressuscitado) Colossus começa a enfrentar quando se descobre apaixonado por Estrela Polar. Vale lembrar que o russo grandalhão, sempre muito sensível, tímido e introspectivo, fez por muito tempo par com Lince Negra. Quem decide os motivos para ele retornar do mundo dos mortos como a paixão da vida de Estrela é você caro leitor. Mas vai uma dica: as edições da resolução dessa “incompreendida” história de amor renderam bem muito aos bolsos da editora.
Fugindo do bloco mutante, outro personagem editado pela Marvel assumiu uma homossexualidade controversa. A primeira aparição do caubói Rawhide Kid (Billy Blue, aqui no Brasil) foi nos anos 50, mas ele só alcançou popularidade no relançamento da série, em 1960, pelas mãos de Stan Lee e Jacky Kirby. Durante essa versão, que durou até 1979, o protagonista era tímido entre as mulheres, mas sem tendências homossexuais. Porém, a distância que mantinha em relação às mulheres motivou um dos criadores originais Ron Zimmerman a remoldar o personagem numa versão, digamos, mais colorida e leve. Isso aconteceu em 2005, na minissérie em seis edições The Rawhide Kid: Slap Leather, como “um reforço à inclusão de temas ‘atuais’ nos quadrinhos”.
Recentemente o Brasil ganhou a edição nacional da aclamada HQ Fun Home, já clássico autobiográfico da americana Alison Bechdel, que relata o drama da descoberta da sua homossexualidade e da sua relação com o pai enrustido. E por justamente ser autobiografia, Fun Home tende a fugir de qualquer tipo de vício na retratação de um personagem gay. A narrativa não fecha sua narrativa para o universo gay, mas consegue ser universal como deve ser qualquer boa literatura.
Ano passado, o escritor Perry Moore lançou, nos EUA, o livro Hero – um romance sobre um herói adolescente que, além de novos super-poderes, tem que lidar com descobertas quanto à sua orientação sexual. O livro é o primeiro de uma série destinada ao público adolescente e, de acordo com o autor, tem a missão de representar positivamente super-heróis gays para um público que também está “saindo do armário”. Em tempo: Stan Lee e Perry Moore, criador de “Hero”, fecharam a parceria e irão contar a história de Thorn Creed, protagonista da série, nos cinemas. O projeto tem tudo para soar como uma revolução dentro do cinema de heróis. Em outros tempos, a preocupação maior seria o boicote das indústrias cinematográficas. Hoje em dia, burra será a empresa que não comprar a empreitada. Ser gay nunca foi tão lucrativo. Os quadrinhos o digam.