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Ilustração interna da nova edição. (Divulgação).

Um reencontro com The Outsiders

Clássica da literatura jovem, escrito por S. E. Hinton, segue reverberando anseios e dramas típicos da adolescência

Ler a frase inicial do romance The Outsiders: Vidas Sem Rumo é como adentrar a uma biblioteca nostálgica perdida no tempo. Lá estão todos os livros lidos na adolescência com a sinestesia que preenche suas páginas, as lembranças que elas carregam, pistas que nos levaram a ser quem somos, que nos preenchem. São assim os chamados “livros de formação”, cujas tramas chegam a borrar os limites entre leitor e personagens em uma constante troca. Nas estantes dessa minha biblioteca imaginária com certeza estaria o romance de estreia da norte-americana S. E. Hinton, que ganhou este ano uma reedição de luxo pela editora Intrínseca.

“Quando saí do breu do cinema para a claridade do sol forte, eu só conseguia pensar em duas coisas: em Paul Newman e em arranjar uma carona para casa”.

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Ponyboy Curtis, o cara que é a voz narradora do romance e que fala o trecho acima na abertura do romance, tem 14 anos – a mesma idade que eu tinha quando li esse romance pela primeira vez. Apaixonado por cinema e livros, compartilhávamos diversas referências, sonhos e medos. Mas, o que mais chama atenção no livro até hoje é o carisma de seu protagonista em dialogar com questões muito próprias da adolescência, sobretudo a vontade desesperada em vencer a solidão e ser aceito.

O livro ficou ainda mais famoso depois da adaptação para o cinema feita por Francis Ford Coppola em 1983, estrelado por Matt Dillon e Tom Cruise, que conseguiu capturar a energia do livro e toda sua sensibilidade. Eu só vim ver o longa bem depois, já adulto, pois nunca encontrei o VHS ou DVD do filme de Coppola na cidade onde eu morava, apesar de saber de sua existência. The Outsiders sempre foi o livro preferido de todos os adolescentes da minha geração, da minha turma, da minha escola. Além dele tínhamos mais uns três ou quatro livros que rodavam de mão em mão, cujas capas amassadas deixavam evidente seu sucesso entre os jovens. Minha irmã foi a primeira a ler, que passou a cópia para mim e depois meus primos. Era a edição da editora Brasiliense, de capa branca.

O mais interessante, eu descobriria mais tarde, é que não só os personagens de The Outsiders são altamente relacionáveis com seus leitores como sua autora, Susan Eloise Hilton, era também adolescente quando publicou o livro em 1967. De família humilde, Hilton começou a escrever a história quando ainda tinha 15 anos, um pouco depois de vivenciar o choque de cultura de ser transferida para uma escola de classe média.

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Essas tensões sociais, misturadas à ansiedade típicas da passagem à vida adulta, estão presentes em Vidas Sem Rumo. A trama conta a história da eterna rivalidade entre os Greasers, jovens pobres e deliquentes que cultuam seus cabelos com brilhantina e os Socs, riquinhos que conseguem tudo o que querem e que sempre se dão bem por conta do sistema que os protege. Essa história, que parece tão pueril, fez um sucesso gigantesco no mundo inteiro e tornou-se um fenômeno no que seria mais tarde conhecido como “literatura jovem”. Seus personagens Ponyboy, Sodapop, ainda hoje estão disponíveis para serem novamente amados pelas gerações atuais.

Reler The Outsiders só aumentou minha admiração por Hilton. Sua escrita é fluida, incrivelmente objetiva e seus personagens seguem com o carisma intacto, principalmente pelo fato de seus dilemas ainda serem os mesmos de muitos adolescentes. A força da narrativa da autora tornou a obra atemporal e o fato de agora saber que ela escreveu toda a trama enquanto ainda lidava – ela própria – com questões típicas da idade atestam do poder de seu texto e explica porque sua trama desperta paixões até hoje.

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Hinton hoje: escrita atemporal e experiências reais. (Divulgação/Intrínseca).

A Intrínseca lançou uma edição de luxo que destaca a importância da obra, com prefácio da jornalista Ana Maria Bahiana e uma carta da autora. Há também bastidores da adaptação do filme, que fez enorme sucesso e acabaria influenciando muitos outros longas estrelados por grupos de jovens.

Mais de 50 anos depois de sua publicação original, o livro não terá dificuldade em encontrar novos públicos. Para leitores antigos, é um reencontro emotivo com um tempo cheio de descobertas. Permaneça dourado.

THE OUTSIDERS: VIDAS SEM RUMO
S. E. Hinton
[Intrínseca, 240 páginas, R$ 49,90 / 2020]
Tradução de Ana Guadalupe

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