Autoestima não se compra no supermercado. Nem em palestras motivacionais
Por Téta Barbosa
Existe um duende de jardim, primo em primeiro grau de Paulo Coelho, cujo emprego é criar/copiar frases de efeito duvidoso, juntar com fotos de gosto ainda mais duvidoso e espalhar pelo mundo. E assim o autoajudismo domina, lento e pegajoso, as redes sociais, mundo virtual e minha timeline.
“Sim, você pode”
– Se seu pai for rico e seu cartão de crédito sem limites, sim, você pode!
“Você atrai aquilo que você mentaliza”
– Mega-sena, mega-sena, mega-sena.
“Comece fazendo o que é necessário, depois o que é possível e, de repente, estará fazendo o impossível”
– Um triplo mortal carpado?
E o doende trabalha incansável, transformando frases óbvias (e quase sempre falsas) em cartões ilustrados com design horrendo. Não basta o teor “biscoito da sorte” dos textos, ele precisa sempre usar fotos avermelhadas de paisagens da Groelândia ou praias com pôr do sol de photoshop.
Deve existir uma lei, do comportamento auto-ajudístico, formulada à portas fechadas, que diz:
– Não basta ser ruim, tem que ser feio.
“Quantas coisas perdemos por medo de perder” diz o guru motivacional, Paulo, o Coelho que tirou da cartola uma conta bancária estimada em mais de R$200 milhões, só em livros vendidos (segundo a Isto é Dinheiro).
No que eu só posso dizer:
– Por falar em perder, você viu a tampa da minha caneta bic que estava aqui agorinha?
Não, ele não viu. Estava ocupado demais traduzindo seus livros para outras línguas (o que prova que este é um mal mundial) e formulando novas frases de efeito que vão gerar novas cifras. Desculpe mago, mas só consegui concordar com uma única frase sua até agora: “Os sonhos tem um preço. Há sonhos caros e baratos, mas todos os sonhos tem um preço.”
E seu preço, pelo que tudo indica, é alto. Mas, o que me deixa verdadeiramente em estado de alerta não é o sucesso financeiro do escritor-bruxo, mas a quantidade de pessoas alfabetizadas, criadas com leite Ninho e razoavelmente intelectualizadas que consomem esta “literatura” de fermento da autoestima.
Como um cidadão com ensino médio completo e diploma na gaveta pode compartilhar uma frase tipo “Quando você quer alguma coisa, todo o universo conspira para que você realize o seu desejo.”?
Se você tiver 4 neurônios, e só 2 deles funcionarem, eles vão te dizer (em coro ensaiado):
– Que mentira do caralho!
A frase é bonita mas é ficção. Na real, quando você quer uma coisa, você pode ou não conseguir (50% por cento de chance pra cada lado da equação). Se você for político, ou rico, ou sortudo, a equação aumenta pro seu lado.
Vivemos num caos onde sua condição social, tipo de educação, país em que nasceu, cor, raça e religião vão (mesmo que a gente não admita) influenciar diretamente na porcentagem das chances que você tem de se dar bem e conseguir o que quer. E não a conspiração do Universo (que ultimamente está mais preocupado com bombas nucleares e efeito estufa do que com a realização dos seus desejos).
Autoestima não se compra no supermercado. Não vende em seminários nem em palestras motivacionais. Porque, allow, o nome é AUTO. Basta prestar atenção ao significado da palavra: AUTOestima, AUTOajuda. Ou vem da própria pessoa ou é AUTO-mentira, AUTO-enganação.
Então, passado meu momento revolta, resolvi fazer uma livre adaptação das clássicas frases de auto-chatice (trazendo para o mundo real, onde as pessoas não são alquimistas e têm contas para pagar) :
Por Paulo Coelho:
“Se você não acorda cedo, nunca conseguirá ver o sol nascendo”
Por Téta:
“Se você não acordar cedo, seu filho vai chegar atrasado na escola”
Por Edilson Ramos
“A nossa visão da vida determinará o nosso sucesso ou fracasso.”
Por Téta:
“A nossa visão da vida determinará a conta do oftalmologista”
I rest my case!
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Téta Barbosa é blogueira é publicitária e dona da marca Batida Salve Todos, que também é um blog cheio de coisas legais para se inspirar