Desde que imagens do interior do Teatro Valdemar de Oliveira, um dos mais emblemáticos de Pernambuco, vieram à tona e revelaram o avançado estado de deterioração do espaço, a mobilização pela sua preservação tem ganhado força. Na manhã dessa quarta (27), um ato a favor do tombamento do equipamento cultural reuniu artistas, representantes políticos e parte da sociedade civil em frente ao local, na Praça Oswaldo Cruz, no Centro do Recife.
A manifestação aconteceu um dia após o Teatro de Amadores de Pernambuco (TAP), grupo fundador do espaço e responsável por ele, se posicionar contrário ao tombamento da casa de espetáculos. “Esse processo implica um ônus burocrático que pode prejudicar as tratativas em curso e retardar a almejada recuperação e reabertura do Teatro Valdemar de Oliveira”, disse em nota compartilhada nas redes sociais.
“Um tombamento impõe muitas restrições que impedem uma liberdade maior para se fazer uma reconstrução e adequação daquilo que já está em ruínas”, afirmou o advogado e diretor adjunto do TAP, Carlos Alberto Leal de Barros Júnior, em entrevista à Revista O Grito!. “Então, limitaria qualquer iniciativa, tanto público quanto privada, para repaginar o teatro e devolver de forma mais rápida e livre para a sociedade, que é a intenção do grupo.”
No último dia 22, a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) oficializou a abertura do processo de tombamento, conforme publicação no Diário Oficial. A solicitação foi protocolada ainda em dezembro de 2022 pelo Grupo João Teimoso e o Movimento Guerrilha Cultural, que esteve à frente do ato da última quarta-feira.
Uma das principais motivações foi a preocupação com interesses imobiliários na área. Em comunicado publicado nas redes sociais, o Grupo João Teimoso explicou que a solicitação foi realizada “quando soube que uma construtora tinha comprado a casa ao lado e tinha interesse em comprar o teatro”. “Acreditamos na luta pela democratização da nossa cultura, por mais espaços e pela memória de nosso povo”, finalizou.
“Nós ainda seremos formalmente convocados a participar desse processo”, pontuou Barros Júnior. Em nota, a Fundarpe informou que o TAP, proprietário do equipamento, deverá ser notificado e terá trinta dias para aceitar o encaminhamento do processo ou entrar com um pedido de impugnação.
Situação se agravou com a pandemia
Depredação, roubos e invasões têm feito parte da rotina do Teatro Valdemar de Oliveira nos últimos anos, quando as atividades da casa de espetáculos foram paralisadas devido à pandemia de Covid-19. “A luta há muito tempo vem sendo para preservar, só que a gente não suportou a questão dos saques que eram constantes”, relatou Carlos Alberto Leal de Barros Júnior.
“Chegou uma hora que tiraram os portões de ferro, as grades e entraram para levar tudo. E isso foi aumentando cada vez mais. Até telhas levaram, e aí com as intempéries, com as chuvas, isso vai piorando”. Hoje, o equipamento cultural se encontra até mesmo sem o seu teto, que recentemente desabou, mas o histórico piano de cauda, realocado para o Conservatório Pernambucano de Música, e o acervo documental encontram-se a salvo.
Segundo o advogado, os herdeiros e demais associados que compõem o TAP avaliam outras alternativas para a retomada do espaço e de suas atividades. “Há algumas em andamento, mas para serem divulgadas, elas precisam estar mais próximas de serem concretizadas, para o bem da evolução dessas negociações”, destacou.
No final de 2022, o grupo chegou a iniciar conversas com o Governo de Pernambuco. A proposta inicial era de que o espaço passasse a ser gerido pelo Estado em um contrato de comodato com duração de 19 anos. Porém, com a mudança na gestão estadual, essas negociações teriam que ser reiniciadas.
No entanto, o diretor descarta a possibilidade do equipamento ser vendido. “Não só não temos essa intenção, como também não podemos porque o estatuto não permite que isso seja feito”, contou. “Essa é a preocupação de todos e eu acho nobre. Qualquer manifestação no sentido de preservação da nossa história é muito bem-vinda. Ali está a história do teatro brasileiro, não é só de uma família.”
Inaugurado em 1971, originalmente com o nome de Nosso Teatro, o Teatro Valdemar de Oliveira foi fundado pelo escritor e teatrólogo que hoje carrega seu nome para ser a casa da companhia de Teatro de Amadores de Pernambuco e desde então desempenha um papel importante para as artes cênicas no estado. Em 1980, um incêndio chegou a destruir as instalações do espaço, que só foi reaberto alguns anos depois.
“O teatro na condição em que está hoje, já está destruído”, lamentou. “Mas o teatro já passou por um incêndio. Ele já não era aquele de quando foi inaugurado. Esse é um novo incêndio, sem fogo, mas estamos enfrentando da mesma maneira. Então, é possível a reformulação e a adequação do equipamento às necessidades atuais.”