Transatlântico.
Série é inspirada no livro The Flight Portfolio. (Reprodução/Instagram).

Série Transatlântico retrata resgate de judeus na Segunda Guerra com roteiro focado nas relações humanas

Produção traz os esforços do grupo que ajudou mais de 2 mil vítimas a fugir da Europa em meio ao Holocausto

Série Transatlântico retrata resgate de judeus na Segunda Guerra com roteiro focado nas relações humanas
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Transatlântico
Ana Winger e Daniel Hendler (criadores)
EUA, ING, 2023. 16 anos. 7 episódios
Com Gillian Jacobs, Cory Michael Smith
Disponível no Netflix

Ainda que a terrível e histórica Conferência de Wannsee, tenha decidido as estratégias de extermínio da população judaica, a ampliação dos campos de concentração e o sequestro de judeus de toda a Europa somente em 1942, os anos anteriores a esse encontro também foram de horror. Isto porque, desde 1933, na Segunda Guerra Mundial, o nazismo e seus colaboradores acumulavam vítimas. É por volta de dois anos antes da macabra conferência, (1940-1941), que a minissérie da Netflix, Transatlântico, se passa.

A produção é inspirada no livro The Flight Portfolio, de Julie Orringer e teve como criadores Ana Winger e Daniel Hendler, que levaram para o streaming a história real de Varian Fry, líder do Comitê de Resgate de Emergência, que ajudou mais de 2 mil vítimas a fugir da Europa e se safar do holocausto. Ambientada na deslumbrante e muito bem filmada Marselha, na França, a narrativa acompanha um grupo que ajuda judeus a atravessar o Atlântico. O roteiro foca no jornalista norte-americano Varian (Cory Michael Smith) e Mary-Jane Gold (Gillian Jacobs), também americana e herdeira de um grande empresário. Com o tempo, o grupo vai ganhando reforços, sobretudo de refugiados e apátridas.

Entre os judeus salvos estão artistas e intelectuais como Hannah Arendt, Max Ernst, Marcel Duchamp, Walter Benjamin, Walter Mehring e Marc Chagall.

As múltiplas nacionalidades da trama, refletidas na escolha dos atores, resultam num elenco diverso, de muitas línguas, o que deu um toque a mais de realismo dado o contexto histórico em que se baseia. Um destaque fica com Ralph Amoussou, que interpreta o imigrante africano Paul Kandjo, que mais na frente se mostra extremamente ativo na construção da Resistência Francesa. O movimento reuniu africanos de colônias francesas, apoiadores refugiados e integrantes da Executiva Britânica de Operações Especiais para lutar contra a ocupação alemã/nazista. A presença de Paul levanta uma pauta não muito discutida pelos filmes e séries sobre a Segunda Guerra, como a situação das colônias africanas durante o período.

Os fatos históricos apresentados na tela mostram que a sociedade de Marselha estava cada vez mais colaboradora do sistema nazista. Consequentemente, a equipe do Comitê de Resgate de Emergência precisou se mover para que ninguém mais fosse deportado ou preso. A conivência e a tolerância com o nazismo foi bem explorado na série. É o caso dos Estados Unidos, aqui representado pelo cônsul Graham Peterson (Corey Stoll), que parecia não se importar com as calamidades humanitárias pelo regime de Hitler. O país só foi entrar na guerra como opositor ao regime no final de 1941.

Transatlântico.
Série tem boa ambientação, mas falha em desenvolver pouco os personagens. (Divulgação/Netflix).

Produções audiovisuais que assumem o papel de retratar a Segunda Guerra Mundial e as barbáries do nazismo, tem em comum, o foco extremamente importante de se rememorar o horror vivido pelos judeus na época. Em Transatlântico, esse horror é tratado de forma diferente. A obra caminha num sentido oposto. Um ambiente de artistas, como se tornou o abrigo dos refugiados, que mesmo sentindo a tensão do contexto, continuam sendo artistas, pintam, dançam, tem inspiração para produzir e se apaixonam. É uma forma poética de registrar como foi a prevalência da vida humana em paralelo ao caos.

Com isso, ainda que paire sobre um terreno histórico pesado, a obra consegue ser leve. Consegue trazer cor à cena através das roupas, das belezas naturais da França, dos diálogos, das relações entre os personagens e dos romances. O problema da produção em trazer uma amplitude de personagens é justamente não ter tanto espaço para desenvolver com profundidade as tramas individuais, ou as que se propõe em apresentar, como a relação entre Mary-Jane e o refugiado Albert (Lucas Englander), o caso entre Lisa Fittko (Deleila Piasko) e Paul, e o amor proibido entre Varian e o apátrida Thomas Lovegrove (Amit Rahav).

Com atuações sinceras, um bom ritmo entre os episódios, uma caracterização primorosa dos personagens e cenários que agregam ao roteiro, Transatlântico é um boa escolha para conhecer outros aspectos do Holocausto e as diferentes formas de resistência durante esse passado horripilante.

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