O Recifest está chegando ao fim. A noite da última quinta-feira (19) recebeu o penúltimo dia do evento, a última exibição das mostras competitivas de curtas-metragens, sessões especiais e o início das votações do público, através do site e instagram oficial do festival.
Além do júri popular, uma comissão composta pelo realizador e escritor Patrício Júnior, a atriz e cantora Sharlene Esse, e a psicanalista e artista visual Isabela Cribari decidiram os ganhadores dos troféus Rutílio de Oliveira – em homenagem ao idealizador do Recifest. Os agraciados com os prêmios de Melhor Filme Nacional e Melhor Filme Pernambucano levam ainda um valor de R$ 1000.
A cobertura do Recifest
_ Primeiro dia traz retrospectiva de Meujaela Gonzaga
_ Segunda noite foca nas relações entre corpo e identidade
_ Terceira noite do Recifest destacou dores e delícias da vivência queer
A noite no Parque começou sem tantas delongas. A mostra restante, nomeada “Aquilo que surge à noite”, trouxe ao evento um erotismo e exploração da sexualidade cuja ausência ao longo da semana até causou estranhamento. Os seis filmes selecionados foram todos sobre o inconsciente, desejo, libertação através do toque e da troca, uns se aproveitando de metáforas e abstracionismo, outros apostando no explícito e cru.
O curta-metragem que abriu a sessão, Quando A Noite Ainda Não Existia (2023), de Gabriel Coêlho, foi todo sobre utilizar a sutileza artística para ilustrar aquilo que não pensamos, mas está na nossa mente. Meio filme, meio experimento social, a obra resultou de uma pesquisa feita pelo realizador sobre o que as pessoas estavam sonhando durante o isolamento social e pandemia de Covid-19. O produto final retrata, em jogo de cores que em momentos remete a um Teste de Rorschach, o “nascimento da noite”.
As produções seguintes são bem menos sutis – e isso não é dito, de forma alguma, como um demérito. A Promessa de um Amor Selvagem (2022), de Davi Mello, é o perfeito pontapé inicial para a jornada de intensificação sexual da mostra, prestes a encontrar o público. Aqui, acompanhamos o contido Bruno, que ao entrar de penetra numa festa, descobre que esta é sua última noite – pelo menos, nesta vida. Através de uma reviravolta imprevisível, Mello aborda a curiosidade inerente do ser humano, aquilo que nos move através de tempo e espaço, que alimenta o desejo e a necessidade por transformação.
Mas é em Os Animais Mais Fofos e Engraçados do Mundo (2023), de Renato Sircilli, que a mostra se desinibe. O curta acompanha um dia na vida de Jorge, que aos 70 anos trabalha como zelador de um motel. Mas tem um segredo: ele grava escondido os áudios dos atos protagonizados nos quartos, e os usa para apimentar a relação com seu parceiro. No entanto, a parassocialidade com os hóspedes não é exatamente a coisa mais saudável do mundo.
Em Shoes Off (2023), de Everton Mello, vemos um imigrante brasileiro nos Estados Unidos se aventurar como modelo-vivo de um artista nova-iorquino. A inibição se esvai conforme o conforto se faz presente, e este se desenvolve em calor, desejo, desafio. A arte aproxima, cria intensidade, e desperta o que nos é mais primal e natural, num curta que se mergulha no mais explícito erotismo.
A conexão entre sexo, natureza e poder também pauta o último curta competitivo exibido no Recifest, o muito mais metafórico Casa de Bonecas (2023), uma ficção-performática que nos põe frente à três pessoas – ou criaturas, ou entidades – que usam corpo, brilho e movimento para encantar, seduzir, manipular, e conquistar, não muito diferentes de animais brigando pelo topo da cadeia alimentar, ou heróis da mitologia alcançando status de veneração.
Sessões especiais
Apesar de encerradas as sessões competitivas, o festival ainda tem muita programação pela frente. O restante da noite no Teatro do Parque foi protagonizado por duas mostras especiais: a Internacional, e a Div. A – Diversidade em Animação. Ao todo, foram seis filmes exibidos, três no primeiro bloco e quatro no segundo.
Começando pelos live-actions estrangeiros, o primeiro curta-metragem veio dos Estados Unidos: Love, Barbara (2022), documentário dirigido por Brydie O’Connor sobre a cineasta lésbica Barbara Hammer através de sua viúva, Florrie Burke, num belíssimo conto de amor, resistência e conexão humana.
Outro documentário, desta vez do Reino Unido, Everyman (2021) reconta a transição de seu diretor, Jack Goessens, abordando as distintas percepções pessoais, familiares, culturais e sociais de sua existência enquanto mulher e homem ao longo da vida, aliado a alegorias fantásticas e mitológicas ilustrativas.
A única ficção entre os curtas internacionais, a comédia estadunidense Hex The Patriarchy (2023), de Anne Brasher, segue duas jovens queer exaustas de sofrer bullying na escola, decidindo utilizar magia para acabar com o preconceito – no entanto, o feitiço não acontece exatamente como imaginavam.
A Div. A deste ano é estreada pelo francês Christopher at Sea (2022), de Tom C. J. Brown, retratando o dia-a-dia do personagem-título enquanto é passageiro de um navio cargueiro, almejando desvendar a atração de homens pelo mar. Preso na negação de sua sexualidade, Christopher se afoga em solidão e depressão meio a não-exploração de seus desejos mais íntimos, das fantasias com um dos funcionários do cargueiro, da obsessão que nutre não apenas pelo homem, mas pela libertação que ele representa.
O menor curta de todo o 10º Recifest, o brasileiro Central Tocaia (2023) é um projeto de apenas dois minutos realizado por Thiago Pombo para uma cadeira da faculdade, mas não deixa de surpreender pela criatividade. O que aparenta ser um inevitável caso de violência e preconceito revela uma inusitada comédia queer sobrenatural.
O estadunidense Luv U Cuz (2021), de Eric Pumphrey, é ambientado em um futuro onde os humanos convivem com alienígenas e tecnologia avançada, com um estilo de arte que remete quadrinhos de ação, e dois primos decidem aproveitar a noite para relaxar e superar mágoas, fortalecendo sua relação no processo – talvez até mais do que ambos gostariam.
Encerrando a seleção de curtas-metragens desta edição do Recifest – a programação para a noite de encerramento conta com lançamento de quadrinhos e exibição de um longa, além das premiações – o brasileiro A Menina Através do Espelho (2022), de Iuri Moreno, acompanha uma menina trans encarando em seu espelho a possibilidade de ser alguém que não é aceita em sua própria realidade, até que seu próprio reflexo se torna uma porta para outro mundo, onde ela encontra liberdade, amor, compaixão e aceitação.
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