A POC Con, o maior evento LGBTQIA+ geek do país, chega maior este ano e se estabelece como um dos principais eventos de quadrinhos do país.
A POC Con surgiu em 2019 para celebrar a diversidade LGBTQIA+ no mundo dos Quadrinhos e das Artes Gráficas no Brasil. Com 73 artistas expositores no Osaka Naniwa-Kai, a feira atraiu um público de mais ou menos 3.000 pessoas. Atingida pela pandemia, resistiu no formato digital em 2020 e 2021, retomando ao presencial no ano seguinte, 2022, quando levou 119 artistas da comunidade LGBTQIA+ à Casa Portugal, recebendo 5.000 visitantes.
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Neste ano, a expectativa é que os números cresçam ainda mais. A POC Con 2023 se desloca para o Centro Cultural São Paulo e se estende por dois dias de programação gratuita, como ocorreu desde a primeira edição. Nesta sexta (9) e neste sábado (10), das 15h às 21h, o Vale dos Artistas com cerca de 119 profissionais da arte expondo seus trabalhos (além de editoras), oficinas, palestras, debates e sessões de autógrafo, contemplam a grade.
“A expectativa de público é muito grande, pois estamos nos mudando para um espaço maior que tradicionalmente já costuma receber muita gente nos finais de semana”, revela Mário Cesar, artista, cocriador e organizador da feira junto ao quadrinista Rafael Bastos.
Um dos propósitos da POC Con é apresentar e celebrar o trabalho de artistas com representatividade queer. É também fortalecer uma comunidade de criadores diversificada que ainda convive com os preconceitos de um meio geek ainda muito heteronormativo. Este ano, o evento também reverencia nomes pioneiros, com a sua primeira homenageada, Anita Costa Prado, que desde 1995 vêm produzindo HQs com protagonismo LGBTQIA+. Ela é criadora de personagens emblemáticos como Katita e Dodô. Em 2021, a pioneira foi agraciada com o Diploma de Mestre do Quadrinho Nacional, da Associação de Quadrinhistas e Caricaturistas do Estado de SP.
Pautada no destaque à diversidade, a convenção vem para ampliar os ares do cenário dos eventos geek. “O grande diferencial da feira começa pela temática. Com isso, o público se sente mais seguro, pois acaba sendo um espaço muito acolhedor para artistas mulheres, pessoas LGBTs, etc. Conheço muitos artistas que passaram por situações bem complicadas em outros eventos geek”, conta Mário Cesar.
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Assim como o cocriador, que revela ter sofrido preconceito por conta de seu trabalho em outras feiras, o quadrinista gaúcho Adri A. compartilha dessa experiência. O autor da série do super-herói queer Cara-Unicórnio foi surpreendido durante a Comic Con Floripa, no ano passado, pela reação de um homem que arrancou um quadrinho seu das mãos do filho ao descobrir que os protagonistas eram gays.
Para Adri A., que esteve presente nas edições anteriores da POC, feiras como essas são alternativas para quebrar com esses estigmas. “O sucesso de eventos como a POC Con confirma o quão importante é valorizar a diversidade em todos os aspectos, inclusive, na cultura geek. Basta ver a quantidade de público que frequenta a POC Con em cada uma das edições. Além do que, só lá eu experienciei um pertencimento e me senti à vontade como em nenhum outro evento de cultura pop”, destaca.
O sentimento de pertencimento também é um cuidado pensado pelos criadores, que além de organizadores, são artistas. “Eu e Rafa temos um olhar diferenciado porque sabemos o que funciona e o que não funciona para o artista, pois já temos experiência como expositores em diversos outros eventos”, revela Mário Cesar.
Esta segunda edição presencial da convenção se estabelece em outro momento político do país. Os criadores criaram o evento no período em que o país era regido pelo governo mais autoritário e LGBTfóbico do Brasil nos últimos tempos. Porém, mesmo agora, fora da era Bolsonaro, o descontrole econômico do governo anterior ainda repercute na feira. “Ainda estamos com resquícios da era Bolsonaro, pois produzimos a POC Con com muita antecedência e foi muito difícil. Tivemos muita dificuldade com captação de recursos este ano por conta dos juros altos, a diminuição das verbas de marketing das empresas. Mas as coisas vão melhorando aos poucos. Nossa expectativa é que ano que vem isso melhore”, comenta o organizador.
Mesmo diante das dificuldades, Mário Cesar destaca o impacto da POC Con na vida e profissão de quem a constrói, os artistas. “Antigamente poucas editoras tinham artistas LGBTs em seu catálogo e hoje em dia quase todas têm. Acredito que a POC abriu o olho delas, pois viram o sucesso de autoras e autores na feira, as filas enormes, o sucesso de vendas”, analisa.
Vale dos artistas da Poc Con: Adri A. e Lacruz levam novidades à POC Con
O criador de Cara-Unicórnio, Adri A. encara a missão de expandir esse universo narrativo, destacando as potencialidades de outros personagens, como é o caso de Kid Princesa, sidekick do protagonista. Em Kid Princesa – O Beijo Mágico, que será lançada na POC Con, o auxiliar passa a ser o motor da história. Assim como a obra de origem, a novidade foi viabilizada através de campanha no Catarse.
“A recepção dos meus trabalhos em quadrinhos tem sido muito positiva, principalmente, em SP. As minhas expectativas são boas, acredito que o pessoal que vai conhecer o Kid Princesa vai gostar bastante”, prospecta Adri.
O quadrinista também revela o processo estimulante e desafiador que está sendo ampliar o universo narrativo de seus super-heróis queer. “Eu vejo tantas possibilidades de histórias a serem contadas com cada um dos meus personagens, e saber que talvez eu não consiga dar conta de contar todas traz uma ansiedade. Já faz algum tempo que decidi que os protagonistas das minhas histórias seriam da comunidade LGBTQIAPN+. Então, em histórias futuras, esperem por mais super-heróis e outros personagens queer”, acrescenta.
Junto a Kid Princesa – O Beijo Mágico, o gaúcho leva a feira as HQs Cara-Unicónio, prints, adesivos, imãs, bótons, e trabalhos que revelam um outra faceta artística sua, abordando temas adultos com teor homoerótico.
O mineiro Lacruz também pinta no Vale, levando seu trabalho multiartístico. Ilustração, grafite, artes digitais, acrílico, colagem, caricatura e uma variedade de técnicas estão na bagagem. As referências que adquiriu no cinema (Eduardo Coutinho, Karen Aïnouz, Claudio Assis), após cursar uma escola de audiovisual, culminam na aplicação de um discurso potente em suas obras.
“Meu trabalho sempre está em transformação. É um processo, seja plasticamente ou no discurso. Tudo o que eu carrego faz parte de um processo construído ao longo de pelo menos 15 anos”, conta Lacruz.
Gay, preto e periférico, o artista traduz tais elementos nessa interseção da arte política e ativista, inspirado também em tiras como as dos Peanuts e Mafalda. “Trago latentes essas narrativas com relação a minha subjetividade, e passo plasticamente para o meu trabalho coisas que muitas vezes eu não consegui falar. Tem coisas que a arte consegue ter uma entrada maior do que o discurso, um contato mais imediato. Consegue trazer profundidade a esses debates”, observa o artista.
Seu trabalho Comigo Ninguém Pode, é uma prova disso. O que inicialmente seria um curta de animação, virou quadrinhos. O projeto tem o propósito de falar sobre a relação de homens gays em saunas. A obra está prevista para ser lançada, ainda sem datas. Podemos acompanhar algumas prévias aqui.
Também autor da HQ Legacy, lançada em 2021, abordando sobre a angústia no período da pandemia, Lacruz leva seu repertório completo e uma novidade à POC Con. Os quadrinhos Vira o Disco estreiam na feira. A obra é uma homenagem ao seu melhor amigo, quem perdeu no início deste ano, assim como também reflete seu contato com a música.
“Na POC Con eu me sinto em casa. É um momento de encontro com as pessoas, com artistas de todo o Brasil. Minha expectativa é esse contato e vender bastante”, projeta Lacruz.
Aline Zouvi, Ana Cardoso, Ilustralu, Guilherme Smee também serão expositores. A lista completa do Vale dos Artistas, assim como a grade de programação e outras informações estão disponíveis no site da feira.
POC CON 2023
Feira LGBTQIA+ de Quadrinhos e Artes Gráficas
Local: CCSP (Rua Vergueiro, 1000 – São Paulo – SP – próximo ao metrô Vergueiro)
Dias: 09 e 10 de junho de 2023
Horário: das 15h às 21h
Entrada gratuita