Saudado como o novo projeto de Damien Chazelle, o diretor de La La land (2018), a minissérie The Eddy é mais do que um tributo a Paris e ao jazz – seu formato é uma hibridação de gêneros e de etnicidade pouco vista em obras audiovisuais. O cadinho cultural que ferve na capital francesa está posto, e cada cena imprime novas sonoridades e ambiência a essa realidade. A história de Elliot Udo (André Holland), um astro do jazz em crise, e sua relação com a filha Julie, a problemática e dilacerada adolescente interpretada por Amandla Steinberg, a Rue de Jogos Vorazes, vai se desenrolando ao som de melodias entaodas por músicos argelinos, croatas, cubanos, estadunidenses, afrodescendentes de diversas origens todos girando em torno da casa noturna The Eddy e de suas banda. O endereço da clube é o 18º arrondissement, também conhecido como Montmartre, reduto boêmio da cidade freqüentado por Picasso, Dali, que abriga a Catedral de Sacre Coeur, e em sua parte baixa, o Moulin Rouge, em parte tranqüilo e sofisticado, e em parte, agitado, e caracterizado por profunda diversidade cultural.
Mas o que surpreende na minissérie não é exatamente essa heterogeneidade, embora para muita gente, certamente, esse fato constitua uma surpresa – poucos conhecem e usufruem dessa Paris que reúne hoje artistas com esse perfil, músicos de vanguarda. Somos levados pela mão de Udo, o anfitrião, a nos envolver com os meandros do submundo parisiense em que o clube é mergulhado, a partir do envolvimento de seu sócio Farid, que acaba por envolver-se com gângsteres buscando uma saída econômica para a crise do local, ameaçado de fechar. A trama policial, no entanto, é mais um subterfúgio para narrar a história de cada um dos músicos e expor suas origens culturais. Como variações sobre o mesmo tema, recurso que é tão especifico do jazz, à guisa de improviso, a história flui sem preocupação nenhuma de fechar finais. A história do clube e sua banda são como um arco principal e estruturam a narrativa, em que os músicos são os protagonistas. Em Katerina, título do episódio 7, a baterista croata interpretada pela atriz, musicista e compositora Lada Obranova, da mesma nacionalidade, introduz de forma crua a questão da imigrante pobre que tem de cuidar do pai enfermo, e sonha com a fama. No episódio Jude, a ascendência afro do baixista e seu vício em heroína expõem outra face da mesma questão , a inserção na sociedade francesa e europeia desses novos imigrantes que a partir do final da década de 1960, foram alterando a imagem daquele país europeu para sempre. Os episódios foram dirigidos em conjunto por Chazelle, Alan Poul, e pelas diretoras Houda Benyamina, responsável pelos episódios Jude e Amira, e Laïla Marrakchi, por Sim e Maja.
É visível a intimidade com a cultura muçulmana de ambas, mas também o seu cosmopolitismo e a facilidade de retratar as angústias de um estrangeiro em busca de nova identidade. O ritual do enterro, a jam session promovida pelos músicos, e o reencontro inesperado de Maja com sua mãe opressiva que representa um passado do qual ela quer se libertar são exemplares nesse sentido.
A minissérie foi lançada como um drama musical, e esse dado é o que mais é polemizado pela critica. A banda ficcional passa a existir na realidade, mas foi formada em função do projeto, e embora a música ocupe função de destaque na trama, dando um ar documental aos registros de gravações e performances, é improvável que sobreviva à série. Apesar de ter um contexto até mesmo policial, que funciona como um falso plot, seus episódios lembram obras como Short Cuts, fragmentadas. No streaming, isso desobriga a audiência de maratonar a série, que pode assistir a cada episódio de forma independente.
Ao final, prevalece a magia da Cidade Luz. Udo e sua filha não são os primeiros estadunidenses a experenciar Paris como uma imersão na criatividade artística e musical, e uma redescoberta de suas subjetividades amorosas e vínculos familiares, mas certamente não há muitos personagens negros no cinema e nas séries que explorem essas características.
Imagens: Lou Fauloun/Netflix.