Atração do festival No Ar Coquetel Molotov 2020, o músico Giovani Cidreira começou jovem no mundo da música. Tudo começou na casa da sua avó, em Salvador. Giovani gravava em fitas cassete as canções que criava para os amigos, as paixões e a família. Era pré-adolescente, já havia morado no município de Castro Alves, interior baiano, e estava de volta à cidade natal. Nesse período, ganhou um violão. Tocava o instrumento, compunha e escutava LPs de música brasileira na radiola.
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O músico, ex-integrante do grupo Velotroz, faz de cada instante dentro da estreia em carreira solo um curioso experimento. Ideias que passeiam pela obra do Clube da Esquina, mergulham no pós-punk de artistas como The Fall e The Smiths, passeiam pelo pop rock de grupos como Legião Urbana e ainda crescem de forma a dialogar com o mesmo rock confessional de novatos como Mac DeMarco e outros compositores recentes.
Em entrevista, Giovani falou do processo de gravação, das referências, das músicas e desse período de isolamento social. “Eu mesmo me senti muito triste e imobilizado devido aos acontecimentos”, revela. O artista se apresenta, neste sábado (11), no festival No Ar Coquetel Molotov, que tem edição 2020 com programação de forma virtual, intitulada Coquetel Molotov.EXE. O evento reúne mais de 30 atrações. Confira:
Em tempos de pandemia, como tem sido sua rotina? Qual forma tem realizado o diálogo com os fãs?
Estamos todos lutando pra não enlouquecer total. Eu mesmo me senti muito triste e imobilizado devido aos acontecimentos, aumento do número de infectados e morte no Brasil, irresponsabilidade do presidente lunático pra tratar desse assunto, medidas fascistas tomadas pelo governo, essas coisas vão acabando com a gente, né… Felizmente tem os amigos, temos contato mesmo de longe, e as pessoas que acompanham o trabalho e dão muita força. Durante esse período, lancei dois discos que me deram muito ânimo, o apoio de minha produtora e companheira também me fortalece, tenho conseguido produzir videoaulas, novas fotos, vídeos musicais, e voltei a escrever música, mas cada dia é um dia.
Como ingressou na música? O que despertou seu interesse?
Diferente da maioria das pessoas que conheço dentro da cena de música independente, eu vim de uma família pobre, de um lugar muito humilde, de pessoas que crescem pra sobreviver e a arte não é uma opção pra isso. Por outro lado, eles me deram liberdade pra ser o que eu quisesse sem precisar discursar sobre isso. Sempre gostei de cinema, literatura, desenho e música, e fui estimulado. Comecei a escrever aos 11 anos e logo comecei a criar melodias. O pessoal em casa observou isso e me deram um violão. Encontrei um rádio a pilha da minha vó onde podia gravar fitas k7, músicas sobre mim e sobre eles e estou fazendo isso até agora.
Diferente da maioria das pessoas que conheço dentro da cena de música independente, eu vim de uma família pobre, de um lugar muito humilde, de pessoas que crescem pra sobreviver e a arte não é uma opção pra isso.
Como funciona o seu processo criativo? Você tem composto agora nesse tempo de pandemia e isolamento social?
Existem vários jeitos de se fazer música, em casa, na rua, na festa, no mercado, dia, noite, alegre, triste… Depois da Mix$take, passei a criar muito a partir de beats e sampler, misturando sons 8 bits com jazz e hip hop. Recentemente, voltei a fazer mais canção, me refiro à influência mesmo, me sinto mais nostálgico agora, ouvindo aquelas pérolas queridas, Stone Flower, Canções Praieiras, estar em casa me fez voltar a escrever acompanhado do violão.
Como surgiu esse diálogo no seu trabalho entre a música e o cinema brasileiro?
Algumas músicas minhas foram usadas em filmes, principalmente de amigos, mas não existe essa relação. Gostaria que realmente existisse esse diálogo, sou apaixonado por cinema.
É impressionante como os homens são criados pra ser duros e pouco aprofundados em vários âmbitos.
Sobre Mix$take como foi a construção desse trabalho? Pensando inclusive na estética visual, que é algo que chama atenção.
Quando Benke e eu fizemos a primeira gravação na casa onde eu morava em São Paulo, não existia um projeto de um disco ou EP, a ideia era levar minhas novas composições pra um lugar diferente, no que diz respeito a arranjos, forma etc… De primeira, eu saquei que Benke era a pessoa que conseguiria levar o formato canção pra outros lugares mais sintéticos e eletrônicos sem perder o feeling do ao vivo, visto que ele trazia outras referências de artistas, tinha esse lance de produzir um material bem acabado pelo celular e é apaixonado pelas canções também. Sempre tive muito controle sobre meus trabalhos, na Mix$take eu aprendi a deixar que o outro desse a direção total, não só da música. A direção visual das apresentações, que passa por uma modificação do meu visual, cabelo, figurino etc… foi construída por Gatha que também teve a ideia original da capa, isto é da foto, que foi modificada em seguida por Gabriel Rolim, que acompanhou o crescimento das músicas e criou algo que se comunicava com elas, alguma coisa não dita por nós (Benke e eu). Eu não disse uma palavra, de como deveria ser, mas quando vi a capa, entendi o que eu estava sentindo. Uma curiosidade sobre o nome do disco, eu não lembro exatamente como chegamos nele, mas a brincadeira com a palavra “Mistake”, em português, “erro”, foi ideia de Gatha, depois coloquei o cifrão que é pra chamar abundância pra nós. A tipografia Rolim fez a partir de uma referência de uma letra meio árabe que encontrei numa caixinha de fósforo.
Tem alguma música do seu mais recente álbum que é sua favorita? Se sim, por quê?
Recentemente lancei Mano*Mago com Mahal Pitta e nesse disco tem uma faixa que não é minha preferida por que não tenho uma preferida, mas que marca uma mudança no meu jeito de compor, frases soltas, versos menores que o de costume e o uso do som da palavra a frente do texto, influências completamente novas para mim.
Você tem uma forte presença corporal no palco. Como você se prepara para os shows?
Sempre me expressei com meu corpo de maneira muito intuitiva, sem nenhum preparo ou preocupação. Durante a tour da Mix$take, Gatha, produtora e dançarina, começou a colaborar comigo nesse sentido. Começamos com aulas de dança e performance, passei a ir em busca de movimentos mais sutis, menos agressivos. É impressionante como os homens são criados pra ser duros e pouco aprofundados em vários âmbitos. O corpo sempre esteve junto com a música, agora com um tiquinho de consciência e é uma longa caminhada.
No Recife, você já se apresentou no Coquetel Molotov e agora se prepara para a edição especial on line. Qual a expectativa para essa experiência diferente da maioria das suas apresentações?
Muita expectativa envolvida nessa apresentação. Tem tempo que não toco para as pessoas, lancei dois discos e nada. Apesar de ser feito na sala de casa, e não ser a casa rica estruturada de várias galeras reis e rainhas das lives eu estou construindo algo que continua vivo e até explosivo. A minha música está compromissada com a verdade, as coisas feitas com o coração ultrapassam os limites.