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Cillian Murphy é J. Robert Oppenheimer, o famoso "pai da bomba atômica". (Foto: Divulgação/Universal Pictures).

Oppenheimer, de Christopher Nolan, vai a fundo na paradoxal trajetória do “pai da bomba atômica”

Muito menos interessado na invenção em si, o longa concentra seus esforços nas disputas políticas e dilemas morais que envolveram a descoberta e suas consequências no pós-guerra

Oppenheimer, de Christopher Nolan, vai a fundo na paradoxal trajetória do “pai da bomba atômica”
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Oppenheimer
Christopher Nolan
EUA e Reino Unido, 2023, 3h, 16 anos. Distribuição: Universal Pictures
Com Cillian Murphy, Emily Blunt, Robert Downey Jr. e Matt Damon
Em cartaz nos cinemas

Fartamente documentado nos livros de história, o ultrassecreto Projeto Manhattan revelou-se um importante capítulo da Segunda Guerra Mundial que se desdobrou longe das trincheiras do continente europeu. O plano, que surgiu inicialmente como uma resposta ao perigo representado pela eventual descoberta da bomba nuclear pelos nazistas, culminou em um dos episódios mais sombrios e trágicos da história da humanidade: os devastadores bombardeios das cidades de Hiroshima e Nagasaki, provocando a morte de mais de 240 mil japoneses, mesmo após a rendição alemã.

À frente deste projeto esteve o físico teórico Julius Robert Oppenheimer, hoje popularmente conhecido como o “pai da bomba atômica”, que agora tem sua conturbada vida e nefasta invenção vasculhadas em três horas de cinebiografia dirigida por Christopher Nolan. O lançamento, bastante esperado pelo público, estreia nos cinemas como uma empreitada ambiciosa que, embora sofra alguns vícios, comporta de forma admirável a complexidade do personagem que se propõe a retratar.

Baseado no livro Oppenheimer: O Triunfo e a Tragédia do Prometeu Americano, de Kai Bird e Martin J. Sherwin, o longa, que está muito menos interessado na história da invenção em si, concentra seus esforços nos pensamentos e relacionamentos do físico para falar das disputas políticas e de egos e dos dilemas morais que envolveram essa descoberta científica e suas consequências. Considerando que a primeira incursão do diretor numa narrativa histórica baseada em fatos reais resultou no morno Dunkirk (2017), é revigorante ver como ele conseguiu utilizar desta vez o material à sua disposição para fazer um filme intrigante e desafiador, sem necessariamente solucionar o paradoxo que cerca seu personagem.

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Robert Downey Jr. interpreta Lewis Strauss, um dos fundadores da Comissão de Energia Atômica dos Estados Unidos e uma das figuras mais decisivas no julgamento de Oppenheimer. (Foto: Divulgação/Universal Pictures).

Assim como na produção de 2017, o diretor se utiliza de diferentes linhas do tempo — mas o recurso empregado não é exatamente o mesmo — para colocar vários momentos do personagem em cena. Afinal, abrange quase quatro décadas, desde os dias de faculdade do jovem físico até as audiências de segurança no final dos anos 1950. Oppenheimer, que foi jogado ao ostracismo na mesma velocidade em que foi alçado à consagração, permanece como uma figura enigmática, pois, embora Nolan explore diferentes aspectos da vida do cientista, não assume a responsabilidade de resolver completamente esse enigma.

Dividido em duas fotografias, uma colorida e outra em preto e branco, que demarcam linhas do tempo distintas, a primeira sob o olhar subjetivo do protagonista vivido por Cillian Murphy e a segunda pela perspectiva de terceiros em relação à sua história, o longa oferece um jogo de perspectivas dinâmico e interessante e que, por isso mesmo, requer atenção a todo instante, fazendo dessa uma narrativa densa, mas não por isso enfadonha.

Nesse jogo, as cenas em preto e branco das audiências de segurança projetam um ressentido Lewis Strauss, oponente de Oppenheimer, responsável por denunciá-lo como uma ameaça à segurança americana, vivido por Robert Downey Jr., que aqui nos lembra ser muito mais do que um ator de filme de super-herói. Já as cenas coloridas, são conduzidas pelo protagonista de Murphy, que aparece esquelético na tela, entregando uma atuação obstinada e excepcional. Não surpreende se a produção render indicação ao Oscar para ambos.

Contudo, incomoda a forma como a Kitty Oppenheimer, de Emily Blunt, e a Jean Tatlock, Florence Pugh, as duas únicas personagens mulheres com destaque na trama, são trabalhadas. Sem poder de agência dentro da história, diferente dos coadjuvantes masculinos, as duas ganham apenas espaço enquanto interesses amorosos do protagonista, servindo quase como muletas — algo que até parece tentar ser corrigido no final, mas aí já é tarde demais.

De toda forma, é um filme visualmente deslumbrante, que simultaneamente faz do som seu maior propulsor. Impressiona a cena do primeiro teste de bomba nuclear, em Los Alamos, quando o filme mergulha em profundo silêncio e irradia uma forte luz branca para em seguida nos jogar num caos sonoro. Mas o poder mesmo está nas paradoxais consequências dessa invenção, o que faz de Oppenheimer um exercício de reflexão sobre os riscos éticos de se considerar a “ciência pela ciência” quando o “progresso” em questão é uma arma genocida.