Opinião: Wikileaks e os novos tempos de guerra

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Foto: Sombrereo Loko

WIKILEAKS E OS NOVOS TEMPOS DE GUERRA
Os documentos vazados pelo site ainda não foram capazes de derrubar um presidente, mas deram provas à opinião pública, deixando o campo da suposição para o da verdade factual

Por Tiago Negreiros
Especial para a Revista O Grito!

Em janeiro deste ano a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, num discurso longo e pomposo sobre liberdade de informação na internet, afirmou: “Países que restringem o acesso a informação ou violam os direitos básicos dos internautas arriscam se alienar do progresso do próximo século”. A palavra “liberdade” foi proferida por Clinton 54 vezes sob a encomenda de criticar os ataques sofridos pelo Google na China. Segundo o site de buscas, contas do Gmail de militantes chineses em prol dos direitos humanos estavam sendo violadas no país. Hillary Clinton, em defesa ao site, citou os EUA: “A censura não deveria de forma alguma ser aceita por nenhuma empresa em qualquer lugar. E nos EUA, empresas americanas devem ter isso como um princípio. Isso precisa ser parte de nossa marca nacional.”

No último dia 7 de dezembro o fundador do site WikiLeaks, o jornalista australiano Julian Assange, foi preso em Londres sob o pretexto de ter cometido crimes sexuais na Suécia. Embora tenham comemorado a noite calorosa com Assange via SMS e Twitter, as suecas Sofia Wilen e Anna Ardin hoje lhe disparam acusações. Wilen diz que o australiano manteve relações sexuais sem camisinha enquanto ela dormia. Já Ardin afirma que foi assediada “deliberadamente” e teve seu desejo “expresso” de usar camisinha ignorado. Segundo ela, Assange usou o peso do seu corpo para imobilizá-la. Julian Assange nega as acusações e afirma que as relações foram consensuais.

O WikiLeaks deixou os EUA nu. Constrangidos, os americanos jogaram no lixo o discurso de liberdade de informação e passaram a perseguir Julian Assange

Por trás dessas acusações estão os paladinos da liberdade de informação: os EUA. Desde novembro que o site WikiLeaks, juntamente com vários jornais de todo o mundo, tem divulgado as cerca de 250 mil correspondências diplomáticas dos EUA. As revelações são abundantes e notáveis para todos os gostos. Para as revistas de fofocas, seria atraente publicar que príncipes sauditas muçulmanos contrariam as leis e costumes locais ao realizarem festas regadas a álcool, sexo e drogas. Para as publicações mais sérias, a espionagem que os EUA faz em todo mundo – com a autorização de Hillary Clinton -, como o pedido de informações pessoais do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon. Extrato de cartão de crédito incluso.

O WikiLeaks deixou os EUA nu. Constrangidos, os americanos jogaram no lixo o discurso de liberdade de informação e passaram a perseguir Julian Assange. Com conhecimento sobre as acusações que o australiano recebera na Suécia, os americanos pressionaram o governo daquele país a expedirem um mandado de prisão a Assange. Como o caso já tivera sido arquivado pela justiça sueca, restou ao país desenterrar o fato e proporcionar-lhe a dimensão tão desejada pelos EUA. A Suécia chegou ao ponto de colocar o australiano na lista de “alerta vermelho”, ou seja, os mais procurados pela Interpol. Como bem dissera um colunista do jornal russo “Pravda”, “fica evidente que os EUA têm o governo sueco e a Interpol no bolso. No minuto em que Assange revelou a extensão dos crimes dos EUA e seu encobrimento para o mundo, tornou-se um homem marcado”.

Antes da prisão de Julian Assange, o site WikiLeaks já passava por uma série de perseguição. Trocou várias vezes de servidor, teve a conta bancária encerrada e as doações bloqueadas pelas redes Mastercard e Visa. No que se refere aos interesses norte-americanos, não há incompatibilidade ideológica que resista. Democratas e republicanos se aliaram para criticar os vazamentos do WikiLeaks, entre as declarações mais curiosas, está a do senador Peter King à emissora de tevê Fox: “O WikiLeaks revela a intenção de Assange de prejudicar não apenas nossos interesses nacionais na luta contra o terrorismo, mas também mina a própria segurança das forças de coalizão no Iraque e Afeganistão”. Representantes da ultra-direita americana e o assessor do primeiro ministro canadense, Stephen Harper, foram mais além; pediram o assassinado de Julian Assange.

Preso, Julian Assange ganhou a alcunha de primeiro preso político do mundo global e, voluntariamente, uma extensa quantidade de internautas começava a se mobilizar para propagar o que ficou conhecido como “cyber-guerra”. Divulgando os atos no Twitter e Facebook, o grupo de hackers auto-intitulado “Anonymous” foram os responsáveis pelos ataques aos sites de empresas que aderiram à pressão contra o WikiLeaks. Ficaram fora do ar às páginas do Mastercard, Visa e da ex-candidata à Vice-Presidência dos EUA Sarah Palin. O “New York Times” informou que a Amazon.com também sofreu ataques. Em resposta aos atos, o Facebook e o Twitter deletaram as contas do grupo. O Twitter, inclusive, foi acusado de censurar a palavra “WikiLeaks” nos Trending Topics.

Em entrevista ao jornal britânico The Guardian , o internauta identificado como Coldblood afirmou que a operação se tornou uma guerra “não convencional, mas de informação digital. Tentamos fazer com que a internet continue a ser gratúita e aberta para todos”. Intelectuais, jornais e revistas de todo o mundo tem defendido a liberdade de publicar os documentos do WikiLeaks. O Guardian defendeu em editorial a necessidade de manter o site “vivo”. Já o escritor Umberto Eco analisou em artigo os motivos de tanto barulho em relação ao site de Assange: “O fato de ser exposto publicamente viola o dever de hipocrisia e serve para estragar a imagem da diplomacia norte-americana. Em segundo lugar, a ideia de que qualquer pirata informático possa captar os segredos mais secretos do país mais poderoso do mundo desfere um golpe não negligenciável no prestígio do Departamento de Estado. Assim, o escândalo põe tanto em cheque as vítimas como os ‘algozes’”.

No Brasil, a revista Carta Capital lembrou que o “ocidente tem dificuldade cada vez maior em conviver com os direitos e garantias em nome dos quais julga ter o dever de impor sua vontade ao resto do mundo”. O editorial da Folha de S. Paulo diz que o WikiLeaks presta um “serviço ao esclarecimento e à verdade num mundo em que governos democráticos inventam mentiras para invadir países” e destaca que há uma “jurisprudência” nos EUA. “Há jurisprudência nos EUA, onde a Suprema Corte, em 1971, decidiu a favor do jornal The New York Times contra o governo de Richard Nixon, que determinara censura prévia para impedir a publicação dos chamados Papéis do Pentágono. O tribunal estabeleceu que o governo não pode obstar a publicação de notícias que considere lesivas à segurança ou aos objetivos nacionais.” O presidente Lula foi o primeiro chefe de Estado a reagir contra a prisão de Assange: “O rapaz foi preso e não estou vendo nenhum protesto pela liberdade de expressão. Não tem nada. O rapaz apenas colocou ‘no site’ o que leu. O culpado não é quem divulgou, mas quem escreveu (os telegramas)”.

A imprensa americana tem tratado o assunto com desprezo. Quando não o ignora, o minimiza, como o New York Times. Para se ter uma ideia, assim que os documentos vieram à tona, Hillary Clinton concedeu entrevista coletiva à imprensa e nenhuma pergunta foi feita sobre o conteúdo dos documentos do WikiLeaks. O presidente Barack Obama, conivente, lavou as mãos e deixou a impressão que Hillary estivesse bancando o seu Governo.

Um dia antes de ser preso, Julian Assange concedeu entrevista ao site Opera Mundi e revelou as tentativas dos EUA em lhe imputar um crime. “São muitas as acusações. A mais séria é que eu e o nosso pessoal praticamos espionagem contra os EUA. Isso é falso. Também a famosa alegação de ‘estupro’ na Suécia. Ela é falsa e vai acabar se extinguindo quando os fatos reais vierem à tona, mas até lá está sendo usada para atacar nossa reputação.” Assange esclareceu que o WikiLeaks recebe e publica material de pessoas que trabalham dentro das organizações denunciadas, o que, para as leis internacionais, não é ilegal.

O WikiLeaks até agora não trouxe nenhum escândalo capaz de derrubar um presidente, porém, o mais importante dos vazamentos é que suas informações fizeram com que a opinião adquirisse provas, deixando o campo da suposição para o da verdade factual. Os que, por exemplo, debochavam Hugo Chávez quando o mesmo afirmava que os EUA espionam o mundo, certamente estão hoje minimizando os vazamentos. Contudo, o maior escândalo de fato é a prisão de Julian Assange, afinal, se vivemos em um mundo ocidental dito como civilizado, evoluído e defensor da liberdade de expressão, o que um jornalista estaria fazendo atrás das grades?