NO LUGAR DOS TIROS, O PARLAMENTO
Golpe derruba presidente do Paraguai e abre as portas para a Venezuela entrar no Mercosul. Reações foram contundentes, mas ainda incertas
Por Tiago Negreiros
Charge de Rafael Balbueno no blog JornalismoB
A América Latina está há cerca de 140 anos sem que haja um de conflito entre seus países, mas faz poucos dias que viu mais um golpe de estado envergonhar uma de suas nações. A vítima foi Fernando Lugo, eleito presidente do Paraguai no dia 20 de abril de 2008 com mais de 40% dos votos. As respostas dos seus vizinhos foram rápidas. A mais importante delas partiu de Brasil, Argentina e Uruguai, que suspenderam o Paraguai de participar das decisões e reuniões do Mercado Comum do Sul (Mercosul), o que permitiu a entrada da Venezuela no bloco, marcada para o dia 31 de julho. Somente o Paraguai vetara o país de Hugo Chávez de participar do Mercosul.
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Nos últimos cinco anos quatro países da América Latina sofreram tentativas de golpe de estado; Equador, Bolívia, Paraguai e Honduras. Nesses dois últimos, a tentativa chegou aonde queria; a queda do presidente eleito pelo povo e contra a vontade de seus eleitores. Diferente dos golpes que infestaram a região nas décadas de 60 e 70, agora trocaram as forças armadas pelo parlamento. Sem apoio do Congresso, presidentes têm suas cadeiras ameaçadas por políticos golpistas e de ideias reacionárias. No Paraguai, para derrubar Fernando Lugo, na última sexta-feira (22), a oposição montou alguns pretextos para dar ares de legalidade ao golpe. Baseados no artigo 225 da Constituição paraguaia, que prevê o impedimento do presidente por “maus desempenhos nas funções” e crimes cometidos no cargo, por 39 a 4, o Senado derrubou Lugo em um processo que durou pouco mais de 24h.
Publicamente, o processo começou em uma quinta-feira (21 de junho), pela manhã. Os deputados paraguaios aprovaram o pedido de impeachment de Fernando Lugo por 73 a 1. Já no dia seguinte, à noite, após a decisão sumária dos senadores, Federico Franco, vice de Lugo, assumia a Presidência prometendo democracia ao Paraguai. Enquanto isso, Lugo se despedia do cargo de forma melancólica e pouco contundente: “Foram transgredidos todos os princípios da defesa, de maneira covarde, e espero que (os responsáveis) tenham a percepção da gravidade dos seus efeitos. Como sempre atuei no marco da lei, me submeto à decisão do Congresso”.
Os parlamentares paraguaios se basearem em cinco acusações, mas em todas elas não foram apresentadas uma mísera prova. A principal consistia em um conflito entre policiais e camponeses no dia 15 de junho, que resultou na morte de 17 pessoas. A oposição culpou o Governo pela confusão, mas não passou disso. Deram aos advogados de Lugo apenas 2 horas para expor a defesa e menos de 24h para formulá-la, em um processo feito as pressas para evitar que apoiadores do presidente chegassem à Assunção – capital do Paraguai – e dificultasse o processo de golpe. Mas na Praça da Democracia, em frente ao Congresso paraguaio, homens, mulheres, camponeses, crianças, jovens e outros se reuniram para protestar contra o golpe. Uns choravam, outros gritavam inconformados com a queda de Fernando Lugo. “Nós o elegemos! Federico Franco não recebeu voto de ninguém!”, dizia um popular à uma emissora de tevê local. Na internet, vários paraguaios se manifestavam contra o golpe. A modelo paraguaia Larissa Riquelme, que ficou conhecida mundialmente na última copa do mundo, agradecia no twitter a solidariedade dos tuiteiros com a crise política do Paraguai: “Indignada com o ocorrido em meu país. Agradeço de coração a todos os países que estão se solidarizando conosco.”
O Paraguai é o mais pobre país do Mercosul. São 6,3 milhões de habitantes que produzem um PIB cem vezes inferior ao do Brasil. Um terço da população está abaixo da linha da pobreza e 40% vive no campo. Esse cenário formulou o discurso vitorioso de Fernando Lugo em 2008; prometendo distribuição de renda e reforma agrária. No Paraguai, as oligarquias são dominantes. Apenas 2% dos proprietários dominam cerca de 78% das áreas produtivas do país, segundo a Coordenadoria Nacional de Direitos Humanos do Paraguai. O imposto cobrado pelo Estado é pífio, apenas 13% sobre o PIB, enquanto no Brasil essa porcentagem pode chegar a 35. Ou seja, por mais que o Paraguai tenha vivido crescimento do tipo “chinês” em 2010 – 15,4% -, pouco colaborou para as finanças do país. Sem dinheiro, como é possível investir em reforma agrária e no desenvolvimento social das pessoas? A consequência é os paraguaios viverem em um “Estado mínimo”, em que as pessoas se viram com os instrumentos que possuem sem a mínima ajuda do poder público. Lugo tentou uma espécie de Bolsa Família – chamado lá de “Tekoporá” -, mas o programa foi mutilado pela oposição e fracassou com os poucos beneficiados: cerca de 83 mil famílias.
A modelo paraguaia Larissa Riquelme, que ficou conhecida mundialmente na última copa do mundo, agradecia no twitter a solidariedade dos tuiteiros com a crise política no país
Restavam pouco mais de nove meses para Lugo concluir o seu mandato, que não estava rejeitado pela população; mais de 50% aprovavam o governo. O golpe, embora efetuado em cerca de 24h, já estava nos planos da oposição pouco depois de Fernando Lugo assumir o poder. Vazado pelo Wikileaks, um documento da embaixada dos EUA naquele país falava que a oposição preparava assumir o poder “por meios de instrumentos (predominantemente) legais” e que, cujo objetivo, seria “capitalizar sobre qualquer tropeço de Lugo para iniciar um processo político no Congresso”. O documento dizia ainda que Fernando Lugo deveria “se preocupar para não cometer um erro, que seria seu último”. Há quem diga que o golpe no Paraguai teve o apoio dos EUA, assim como foi feito quando os militares assumiram o poder em várias regiões do Cone Sul nas décadas de 60 e 70, Brasil incluso. O cientista político argentino Atilio Boron, em seu site na internet, defendeu que o golpe no Paraguai teve apoio dos norte-americanos como parte de uma ofensiva contra o crescente poder de influência do Brasil no mundo. “O Brasil está construindo uma hegemonia global com a Rússia, Índia e China, conhecidos como Bric. No entanto, os EUA não vão querer abrir mão do seu poder de influência para o gigante da América do Sul.” Os EUA foram um dos primeiros países a reconhecer o governo golpista de Federico Franco.
O golpe no Paraguai assustou o Brasil, mas não pelo fato de o país um dia vir a se tornar uma vítima de golpe. O Brasil tem hoje uma das democracias mais sólidas das Américas. O que preocupa o Governo é a situação das frágeis democracias de alguns de seus vizinhos, como Bolívia e Equador. É importante lembrar que, no início da década de 60, quando os militares assumiram o poder na forma de golpe no Peru, o fato influenciou na queda de presidentes eleitos em várias nações da América Latina. O dominó atingiu a Guatemala, Republica Dominicana, Argentina, Brasil, Chile e outros. O medo é que a história se repita mais uma vez na região. Sendo assim, a reação brasileira, segundo informou diplomatas à imprensa, precisaria ser dura para desmotivar outros golpes no Cone Sul. Dilma Roussef tomou as rédeas e aproveitou a presença dos líderes na conferência da Rio+20 e os reuniu em caráter de urgência. A primeira ação foi marcar um encontro entre as cúpulas do Mercosul e Unasul em um mesmo dia para decidir que medidas os dois blocos poderiam tomar.
Mas foi a Argentina um dos primeiros países a colocar em prática as reações contra o Paraguai. Cristina Kirchner retirou seu embaixador de Assunção, seguida por Colômbia, Brasil, Uruguai, Chile e outros. Sob pressão de Dilma, sanções econômicas como esta não foram aprovadas pelos membros do Mercosul. Cristina Kirchner justificou: “sanções econômicas nunca acabam com os governos, acabam com os povos”. Rafael Correia, presidente do Equador e quase vítima de um golpe em 2010, defendeu reações mais duras contra o Paraguai: “O maior mal que podemos fazer ao Paraguai é deixar o país à mercê de golpistas”, disse, e sugeriu que tipo de ações poderiam ser tomadas: “fechar as fronteiras, suspender o tráfego aéreo, assim como o comércio e o fornecimento de energia”. A Venezuela foi quem reagiu de maneira mais agressiva; além de retirar o embaixador, Hugo Chávez mandou a petroleira estatal PDVSA cortar o envio de diesel ao Paraguai. Ironicamente, os venezuelanos foram beneficiados com o golpe.
Desde 2005 que os venezuelanos pleiteavam a adesão ao bloco sul-americano. Os Congressos da Argentina, Brasil e Uruguai já haviam autorizado, faltando apenas o do Paraguai, que insistia em vetar. Suspenso até que haja eleições diretas no Paraguai – previstas para abril de 2013 –, os paraguaios não terão direito a voto e nem de participar das reuniões da cúpula. Para alguns, a entrada da Venezuela foi vista como uma manobra de Brasil e Argentina, visto que um artigo da constituição do bloco prevê que “as decisões dos órgãos do Mercosul serão tomadas por consenso e com a presença de todos os Estados partes”, o que não faz sentido, já que o Paraguai foi suspenso em uma decisão concordada pelos seus três atuantes membros. A medida também está assegurada por uma resolução do bloco, que diz: “a plena vigência democrática é condição essencial para o processo de integração”. A única divergência pela entrada da Venezuela partiu do Uruguai, segundo informou o jornal argentino Página 12. Os uruguaios não concordavam com a medida sem o consentimento do Paraguai, mas terminou sendo voto vencido. A dúvida que fica é: quando o Paraguai voltar ao Mercosul terá direito de rever a decisão da cúpula?
As reações dos países sul-americanos contrárias ao golpe foram corretas, mas ainda não é certo se surtirá efeito ao menos nas demais democracias da região. No Paraguai, será importante para manter o golpista Federico Franco isolado e enfraquecido politicamente, o que poderá inviabilizá-lo em eleições futuras. Na reunião do Mercosul, Dilma, já como presidente “pro tempore” do bloco, afirmou: “Nós temos, na constituição do Mercosul, um compromisso democrático fundamental, que é aquele que prima por respeitar os princípios do direito de defesa, é aquele que prima por rejeitar ritos sumários e zelar para que a manifestação dos legítimos interesses dos povos dos nossos países sejam assegurados. Por isso, temos de fazer os nossos melhores esforços para que as eleições de abril próximo, no Paraguai, sejam democráticas, livres e justas”.
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Tiago Negreiros é jornalista político. Reside em Toronto, no Canadá e escreve artigos para a Revista O Grito! sobre política internacional, mídia e ciberativismo
* Os artigos assinados da seção Opinião não refletem, necessariamente, a opinião da revista