D Smoke com Teron Beal 2
Foto por Teron Beal/Divulgação.

O som ao redor nas rimas de D Smoke

Depois de ficar famoso ao vencer o reality show Rhythm + Flow da Netflix, o rapper estadunidense D Smoke comemora o reconhecimento com a indicação ao Grammy e lança novo álbum em que reflete sobre conflitos internos e externos da juventude negra. Usando sua experiência como professor, ele aborda dilemas de sua comunidade e a guerra diária travada pelos pretos na quebrada

Daniel Anthony Farris está mergulhado na música desde criança. Em casa, sua mãe, Jackie Gouché, cantora que trabalhou como backing vocal para artistas como Michael Jackson e integrou o coral da igreja que a família frequentava, em Inglewood, o instruiu no aprendizado de piano, teoria musical e apresentou várias referências da música clássica, gospel e também do soul. Nas ruas, abraçou o movimento hip hop e logo aprendeu que suas experiências enquanto jovem negro nos Estados Unidos, marcadas por questões que o atravessavam de maneira individual, também passavam pelo plano coletivo. Esse caldeirão de referências e vivências instituiu nele o desejo de transformar o que observava – dentro de si e no seu entorno – em arte. E é o que ele tem feito como D Smoke, nome artístico com o qual tem conquistado a crítica e o público com suas rimas honestas e afiadas, como mostra seu álbum mais recente, War & Wonders, disponível nas plataformas de streaming.

Ainda que seu envolvimento com a música venha de muitos anos, inclusive escrevendo para outros artistas, apenas recentemente D Smoke passou a se dedicar integralmente à sua arte. Como participante (e vencedor) do reality show “Rhythm + Flow”, da Netflix, exibido em 2019, ganhou visibilidade e a legitimação de grandes nomes do rap, entre eles os apresentadores da atração, Cardi B, Chance The Rapper e T.I.. No ano seguinte, lançou seu primeiro álbum, Black Habits, pelo qual foi indicado a dois prêmios Grammy: artista revelação e melhor álbum de rap. O reconhecimento da indústria em um tempo tão curto foi, para o artista, uma surpresa, mas também uma motivação para continuar se desafiando e evoluindo como compositor e intérprete.

D Smoke com Sha
Foto: Sha.

“Estou descobrindo meus limites, muitas vezes, e isto é ótimo. É neste lugar onde você quer estar: quando você está se desafiando e crescendo. Recentemente me casei, estou ao lado da minha linda mulher – é um momento adorável. Sou abençoado’, contou em entrevista à Revista O Grito!. “Nenhuma pressão externa vai ser maior do que a que ponho em mim para criar música honesta, divertida, verdadeira, com uma história real e com identidade, que vá durar. Eu sempre almejo ser como os artistas que me formaram, não os que me entretém. Eu já fui entretido por vários tipos de artistas, mas só há poucos que influenciaram quem eu gostaria de ser – e é esse é o tipo de música que eu quero fazer, particularmente. Eu respeito qualquer razão pela qual as pessoas façam música porque é uma arte linda – mas eu sei porque entrei [neste ramo]. Ser indicado ao Grammy não mudou minha forma de criar, mas fez algumas coisas se tornarem mais urgentes. Para ser muito sincero, eu não esperava ser indicado no primeiro álbum; talvez quando estivesse no terceiro. Mas eu só quero continuar construindo com os fãs e criar músicas que as pessoas amam e com as quais elas se conectam.”

Neste novo trabalho, D Smoke buscou expandir os temas em relação a Black Habits, mais focado em questões familiares. War & Wonders se debruça sobre os conflitos internos e externos da juventude negra dos Estados Unidos. O álbum é permeado por reflexões sobre mortalidade, a dureza das ruas, racismo e espiritualidade. Em canções como “Dirty Mercedes” e “Shame on You” e “Road Rage” ele incorpora uma postura desafiadora e confiante, que evoca algumas de suas inspirações, como Snoop Dogg, Dr. Dre e Kurupt, referências do rap, também originários da Califórnia. Entre seus ídolos, D Smoke cita ainda Stevie Wonder, Dungeon Family, Lauryn Hill, Erykah Badu, Jill Scott, Outkast, além de produtores como Timbaland e The Neptunes. Essa diversidade de sonoridades permeia todo o disco, a exemplo de “Mind My Business”, “Common Sense”, com o seu irmão, o artista SiR; “Stay True”, parceria com John Legend, “Good Thing”, com Ty Dolla $ign, e “Sleepwalking”, com Fireboy DML.

“Mesmo quando não estamos lutando uma guerra literal no cotidiano, há tanto acontecendo dentro de nós – porque esse tipo de experiências molda a gente. Meu objetivo é falar sobre a guerra que muitos desses jovens da quebrada vivem, mas também sobre o que acontece dentro deles, como resultado desse processo.”

Ainda que este olhar para o seu entorno dê o tom de War & Wonders, o disco também reflete o bom momento da vida do artista. “Better Half” e “Clockwork”, com participação de Marsha Ambrosius, são declarações de amor para sua esposa, a cantora Angelina Sherie. Longe de ideias de masculinidade tóxica que permeiam não só o rap, mas a cultura ocidental como um todo, ele celebra a beleza de uma relação igualitária, marcada pelo respeito e admiração mútua.

“Minha mãe me ensinou de música clássica a gospel, teoria musical, aprendi em casa. Então fomos para a escola pública e, enquanto em casa eu tinha essa educação muito clássica, no colégio eu começo a ouvir Outkast. É essa mistura que a gente tinha. Musicalmente, nós fomos treinados. Lá fora você aprende com a vida. Eu era um jovem negro andando com tranças, parecendo um membro do N.W.A e, mesmo que eu não fosse parte de uma gangue, muitas pessoas me viam dessa maneira. Então é esse equilíbrio que faz minha música. Se eu só tivesse ficado em casa, hoje eu poderia ser o pianista de alguém, um compositor, mas estar na rua é o que me faz poder criar e comentar sobre o mundo ao meu redor”, pontuou.

“Eu adorava ensinar; era um trabalho com sentido. Era a vida de alguém que você estava mudando, influenciando. Olho pros meus dias de professor como aqueles com uma importância real, quando estava nas trincheiras. É o tipo de trabalho para o qual você vai todo dia, mesmo que esteja cansado e a beleza disso é que alguns dias você ganha a energia lá. Você entra na sala de aula, os jovens percebem que você não está bem e te dão um suporte”, lembrou. “Já em outros momentos, você aparece tipo, ‘Estou pronto, tenho uma linda lição!’, e eles te dão o pior dia (risos). Essas são as experiências que só os professores e os alunos sabem. Um pouco do que estou vivendo agora não parece real.”

Neste novo momento de sua vida, com sucesso crítico e de público, D Smoke também tem aproveitado para vivenciar novas experiências, como sair em turnê. Como Black Habits foi lançado pouco antes da eclosão da pandemia, em fevereiro de 2020, ele não conseguiu circular com o show do álbum, realizando apenas alguns shows virtuais. Com War & Wonders, ele tem viajado pelos Estados Unidos – processo que deve continuar pelo menos até o primeiro semestre de 2022. E, para o ano que vem, ele já pretende trabalhar em novas empreitadas.

“Quero fazer um projeto com meus irmãos e também escrevi um livro, então quero lançá-lo [em breve]. Também quero trabalhar com cinema e estou animado com todas essas coisas”, reforçou.