EFEITO IRAQUE
Filme do canadense Paulo Haggis aborda os reflexos da Guerra do Iraque no imaginário de quem foi combater e dos que ficaram em solo americano
Por Fernando de Albuquerque
Do mesmo diretor de Crash – No Limite (2004), No Vale das Sombras, marca mais um trabalho do diretor Paulo Haggis cutucando as feridas da sociedade norte-americana. Se no filme de 2004 a temática era o racismo agora ele explora, a fundo, as conseqüências sociais e psicológicas da Guerra do Iraque nos cidadãos daquele país. Não somente os que combatem em conflito, mas também na mente dos que ficam em segurança em terra-firme.
Com a legenda “Inspirada em fatos reais” o filme nada mais é do que uma reconstituição do caso Richard Davis, contanto a história póstuma de um ex-combatente da Guerra do Iraque, morto em 2003, poucos dias após retornar à sua base, no estado da Geórgia. Para se valer de um panorama mais abrangente do trama pós-guerra, o diretor optou por rebatizar o personagem de Mike Deerfield, incorporando à trama histórias cruzadas de outros veteranos que chegaram à imprensa. Há citações a suicidas como o marinheiro Jeffrey Lucey, que se traumatizou com a experiência de dirigir seu jipe por cima de crianças mortas. Friza-se ainda o excessivo consumo de drogas pelos combatentes e o patriotismo americano em alta.
O protagonista da história é não é o alegórico Mike, pelo contrário. Seu pai, o militar aposentado Hank Deerfield (interpretado por Tomy Lee Jones) é quem faz as vezes de personagem principal com a consciência de um republicano pró-bush se desespera ao ser informado do desaparecimento de seu filho, dado como foragido do exército ianque. Enquanto se debruça sobre pistas desencontradas, a polícia local indentifica um corpo carbonizado como sendo do rapaz procurado. Suspeitas iniciais apontam para o envolvimento de Mike com uma quadrilha de traficantes mexicanos, hipótese automaticamente rejeitada pelo seu pai. Sua investigação continua com a ajuda da idealista detetive Emily Sanders (por Charlize Theron), valendo-se do extrato do cartão de crédito do filho com roteiro. À medida que se aproxima da verdade, descortina o conturbado comportamento daqueles que são ex-combatentes.
O nome original de No Vale das Sombras é No Vale de Elá e é relacionada à história bíblica de Davi e Golias; como o personagem principal conta em dado momento do filme, o pequeno Davi derrubou o gigante Golias nesse mesmo vale, da mesma forma que Hank, pequeno em comparação ao que quer combater e à verdade que busca, tenta vencer. Em comparação ao filme anterior, Haggis trabalha melhor as imagens, a sutileza e a grande carga dramática que elas podem passar ao espectador, mostrando maturidade como diretor. Ao concentrar-se somente numa história, o cineasta demonstra suas intenções de uma forma mais clara. O tema que aborda – o preocupante estado psicológico como os soldados voltam ao Iraque e as dificuldades que encontram ao se ajustar à sociedade – é pertinente atualmente e tem, aos poucos, deixado de ser tratado como tabu pelo cinema norte-americano.
Hank faz o pai de Mike Deerfield e é o destaque de todo o longa metragem
.
No Vale das Sombras é mais uma obra-prima na carreira do diretor Paul Haggis, pois o resultado agrada pela mensagem clara, pela beleza de imagens fotografadas com uma elegância que confere significado a mais às simbólicas cenas. Entre os acertos do roteiro escrito pelo próprio Haggis (roteirizou também Menina de Ouro, Crash e Cartas de Iwo Jima, todos indicados ao Oscar de Melhor Filme) está a caracterização rápida da personalidade de Hank. De início, já o vemos como um homem patriota e metódico. A caracterização de Hank como portador de tal personalidade é o que levará a construção da mensagem do filme. Ele revê, aos poucos, seus conceitos sobre exército, guerra, e sobre o orgulho que sentia do próprio país para, em desfecho emblemático, mesmo que previsível, lacrar a decadência dos Estados Unidos que devem demorar a restabilizar sua moral. Não havia outra conclusão apropriada a não ser a de que os Estados Unidos precisam de ajuda.
NO VALE DAS SOMBRAS
Paul Haggis
[In the Valley of Elah, Canadá, 2007]
NOTA: 7,0