antesdoorgulho mat2 8

Nem o Rei Momo escapou da homofobia 

Por atuar como transformista, clubes sociais não aprovavam o reinado do ator Wilton Mendez 

Esta reportagem faz parte da série “Antes do Orgulho“, que aborda a complexa representação LGBTQIA+ nos jornais do Recife. Acompanhe as outras reportagens da série:

+ Bonecas não tem vez no Carnaval: duas décadas de intolerância nos jornais
+ Dois pesos e duas medidas: jornais celebram as “Virgens”
+ Travestis no Carnaval: A luta vã por um Baile dos Enxutos

Parte 1: + “Anormais” – a homofobia na crônica policial do Recife

Nem o Rei Momo do Carnaval do Recife nos anos 1960 escapou da homofobia. Apesar de ser carioca, Wilton Mendez estava radicado no Recife há alguns anos e ganhou a coroa de monarca da folia em 1967. Desde o início a indicação causou reações contrárias e o principal motivo era o fato de Mendez ser transformista. 

Segundo matéria publicada no Diario de Pernambuco, a indicação se deu por chancela de um secretário da Prefeitura do Recife. Nela o redator se queixava do fato do secretario Aderbal Galvão ter nomeado “para representar o Rei Momo no Carnaval do Recife o ‘transformista’ Mendez, com prejuízo para tantas ‘majestades’ locais que tão bem protagonizaram aquela figura do Carnaval”. 

Na coluna O Retrato da Cidade, também no Diario, o redator Severino Barbosa colocou uma nota dizendo “tá uma confusão da peste, esse negócio de Rei Momo para o carnaval de 1967”. Segundo ele, no ano anterior quem nomeara o Rei Momo, usando de suas prerrogativas oficiais, havia sido a Comissão Organizadora do Carnaval, porém em 1967 estavam falando em “botar no trono, um tal Rei Momo que às vezes se disfarçava de ‘rainha’, falando fino, rebolando os quadris, um travesti de teatro. Seria um ‘reinado’ naquela base. Que audácia”. 

Segundo o jornalista Paulo Goethe, que recordou o caso no blog Direto da Redação, em 2016, Mendez era formado em filosofia, falava inglês e francês e tinha boas relações com políticos locais e pessoas da área do turismo. Ele também era ator de teatro, televisão e fazia números de transformismo nas emissoras de TV locais, onde se apresentava imitando a cantora Leny Everson de quem era amigo. Trabalhou também ao lado da travesti Rogéria no Rio de Janeiro, antes de vir morar no Recife.

Os clubes sociais e algumas agremiações realmente não aprovaram a nomeação de Mendez e na cobertura do Carnaval de 1967 feita pelo Diario de Pernambuco consta que “o TRAVESTI (em letras maiúsculas no original) Mendez, que foi o Rei Momo do Carnaval 67, não foi bem recebido em alguns lugares, principalmente no Internacional onde levou estrepitosa vaia quando a orquestra parou para ser anunciada sua presença no clube”. 

Em janeiro de 1968, os jornais anunciaram que o mandado de Mendez havia sido cassado pela Comissão Organizadora do Carnaval. A notícia publicada no Diario de Pernambuco dizia que a proposta da cassação partira do vereador Valério Rodrigues, que solicitou informações sobre a manutenção ou não do antigo Rei. Segundo o redator “Mendez não teve seu nome bem aceito em virtude das inúmeras críticas surgidas notadamente por exercer a profissão de Travesti”. 

Todavia, Mendez continuou como Rei Momo cumprindo a agenda dos festejos de rua e bailes suburbanos. Em 1971, pouco antes do Carnaval, houve novo atrito entre ele e os clube sociais que cortaram em definitivo seu nome da lista de convidados nos bailes. Três anos depois Mendez se afastou do Carnaval e passou a viajar como embaixador do turismo de Pernambuco, sendo também diretor do Cinema Educativo do Recife.

Sua morte em um acidente automobilístico em Alagoas, em março de 1979, foi noticiada pelo Diario de Pernambuco de forma sóbria e respeitosa até mesmo na descrição de sua atuação como transformista. Novos tempos? Veremos isso nas próximas reportagens da série.

Antes do orgulho: a complexa representação LGBTQIA+ nos jornais do Recife
Reportagem: Alexandre Figueirôa
Edição e revisão: Paulo Floro
Artes: Felipe Dário