O filme Satã said dance, da diretora polonesa Kasia Roslaniec, começa com cenas quentes e explosivas de sexo, balada e música eletrônica que nos sugerem que iremos assistir a algo como um Trainspotting em versão feminista. Entra em cena a vida louca de Karolina (Magdalena Berus), escritora de sucesso que fez um primeiro livro em estilo Lolita tecno e se tornou uma celebridade. Ela tem uma melhor amiga, Jaagoda (Marta Nieradkiewicz), que é vocalista de uma banda, e virgem.
No entanto, na medida em que a história avança, e o filme vai incluindo cenas da protagonista com a família, nos damos conta de que as aparências enganam. A garota tem um problema de aceitação incondicional muito mal resolvido. E precisa da permissão da mãe para tudo, até mesmo para ser tão… magra. Não combina, não é mesmo? Na verdade, todos os amantes de Karolina são homens mais velhos que lembram bastante seu pai, que nas cenas com a filha, mais se parece com um novo amante. Mas não, não é incestuoso de verdade. Nada é vivido até as últimas consequências nesta película.
As cenas irreverentes do início dão lugar a conversas sobre o que seria melhor para nossa jovem autora que não consegue mais escrever e tem medo de que o sucesso do primeiro livro não se repita. A mãe, que nas horas vagas é taróloga, acha que a filha deve deixar a insegurança da carreira de escritora de lado, casar-se e ter filhos.
A diretora veio de um sucesso em seu segundo longa, Baby Blues, sobre mães adolescentes, estrelado pela mesma atriz que interpreta Karolina, a excelente Magdalena Berus. O filme ganharia muito mais se abrisse mão de tanta pirotecnia narrativa para ser apenas aquilo que é, ou seja, a história de uma garota insegura que tem uma relação extremamente claustrofóbica e dependente com a mãe, e que ela reproduz com as amigas. A cena dela com a barriga falsa é engraçada, e Magdalena-Karolina é extremamente envolvente, carismática, e assume a personagem com garra e talento. E talvez por isso mesmo fique tão evidente a característica de Cinderela pós-moderna em suas baladas regadas a álcool e cocaína. Afinal, a princesa Fiona de Shrek não deixa de ser uma princesa.
Como uma espécie de alter ego, a imagem da atriz que se confunde com a diretora que narra a história de Karolina de forma metafórica, que é também a história de seu novo livro, com um rosto em que os olhos funcionam como lentes de uma câmera. São as múltiplas telas que caracterizam a estrutura narrativa do filme, em que a escritora protagonista produz selfies com o empenho peculiar de outras tantas adolescentes ávidas pela fama. Alguns planos reproduzem uma estética de celular que reduz o quadro sem no entanto fazer desse recurso um contraponto a estruturas narrativas tradicionais. A edição apenas enfatiza a postura auto-promocional da princesinha da era das redes sociais, e se confunde com a linguagem de anúncios publicitários televisivos. Ao abusar desses recursos, possíveis conflitos que poderiam ser explorados acabam produzindo o efeito de um videoclipe. É insólito, é divertido, mas e daí?
De seus dotes literários, na verdade, pouso se sabe. Supomos que o texto da escritora Karolina seja do mesmo naipe da patricinha francesa Lolita Pille. Ela parece mais preocupada em ser vista do que em ser lida. A experimentação estética pretensamente inovadora aqui está a serviço de uma ideologia extremamente conservadora. Quando os dilemas existenciais de um personagem são tão superficiais assim até mesmo as cenas que deveriam produzir angústia, como as sessões intermináveis de vômito e mal-estar no banheiro, apenas despertam tédio. Clap your hands and say yeah.