Hannah Takes The Stairs
GERAÇÃO BLÁ BLÁ BLÁ
Fenômeno do pós-11 de setembro, o movimento mumblecore propõe um cinema indie que debate o tédio ao mesmo tempo em que propõe uma nova – e ousada – estética cinematográfica
Por Rafael Dias
Que o Youtube, o ipod e agora o iphone marcam atualmente uma nova revolução no modus operandi da produção e veiculação de imagens todos sabem – pelos menos aqueles que navegam pela internet. Qualquer pessoa com uma mini câmera ou celular na mão pode gravar uma cena (ou ser flagrado!), cair na web e ser visto por milhões de usuários. O que poucos desconfiavam é que essa “brincadeirinha” fosse ser levada a sério. Quem diria, a youtubemania virou uma “estética” de cinema. Mumblecore, “geração do resmungo”, em inglês, é o nome da nova onda do cinema norte-americano que vem causando estardalhaço nos festivais do circuito independente.
Mas o movimento não guarda nenhum laivo de contestação ou revolta, como se poderia supor pelo nome. Barricadas, manifesto, Maio de 68 revisitado, carta-bomba, hijacking. Nada disso. Apesar de receber uma outra alcunha, a de geração D.I.Y. (do it yourself, lema das tribos punk), essa geração “resmungona” prefere reclamar da dor-de-cotovelo da namorada que o preteriu pelo amante, da conexão de internet que não funciona e do trabalho aparentemente monótono. São filmes feitos por jovens americanos de classe média, de vinte e poucos anos, sobre o cotidiano deles, inerte, sem ações e carente de acontecimentos: o que preenche são diálogos sobre diálogos, que se entulham descartáveis como uma conversa trivial de salas de bate-papo.
O fenômeno não é novo: ganhou força após o 11 de setembro de 2001 e o avanço tecnológico. Porém, do ano passado para cá, vem cotejando espaço na mídia internacional (The New York Times e o inglês The Guardian resenharem filmes da geração mumblecore), fazendo fama e muito dinheiro. É preciso dizer que a “escola” não pode ser chamada de uma indústria cinematográfica, pelos menos não ainda. Por enquanto, público e produtores habitam o universo indie de mostras de cinema e comunidades na web, pela qual normalmente os vídeos são comercializados. De confecção simplória, os filmes são feitos com baixíssimo orçamento (apenas uma câmera digital, em locações caseiras e iluminação ambiente) e elenco de atores não-profissionais. E, praticamente, não há script: as falas fluem no improviso, de forma totalmente solta.
Pelo estilo “realista”, os diretores do mumblecore também ganharam o codinome de slackavettes (slacker, ou livre, + Cassavetes), uma referência ao cânone do cinema independente norte-americano, John Cassavettes, autor dos filmes Faces e Uma Mulher Sob Influência, que injetou uma abordagem naturalista e de sondagem psicológica nos anos 60. A comparação, é claro, não corresponde de forma estrita. Há uma tentativa de registrar, sem cortes de edição, o tédio da juventude, no entanto não chega a constituir um discurso pró ou a favor daqueles que são retratados. Pela superficialidade do recorte, críticos ultimamente classificam o movimento de “myspace neo-realismo”. Os filmes nada mais mostram que jovens que contam sua vida em formato de blog, com pequenos postagens e algum resmungo.
Cena do filme Mutual Appreciation
Nesses últimos seis anos, o mumblecore já produziu pouco mais de uma dezena de títulos. O pioneiro do gênero chama-se Andrew Bujalski, cineasta de 30 anos que saiu dos quadros da Universidade de Harvard para criar um novo jeito de fazer cinema. Em 2002, produziu aquele que é considerado o primeiro filme da vertente, Funny Ha Ha, sobre uma garota recém-formada na faculdade que se apaixona por um nerd indiferente às suas investidas e gosta de ficar ébria. O filme fez relativo sucesso, levando um prêmio no festival Independent Spirit Award. No ano seguinte, Bujalski apresentou Mutual Appreciation (Admiração Mútua), filme em p&b que conta a histórica de um adolescente que sonha em se tornar um astro do rock em Nova York, mas o que ele consegue é roubar a namorada do amigo. Embora o roteiro careça de maior consistência na forma de lidar com os sentimentos juvenis, o cinema de Andrew Bujalski tem uma característica que remete, guardadas as devidas proporções, é claro, à estética não-lapidada de Gus Van Sant nos anos 80. É talvez o estilo autoral mais interessante e bem acabado do grupo.
Joe Swanberg é o outro cineasta que reza a cartilha da “escola”. Em 2005, realizou Kissing On My Mouth e, no mesmo ano, conheceu Bujalski, com quem iria editar uma parceria dois anos depois, em Hannah Takes The Stairs. O curioso é que, além de produzir, Bujalski também atua no filme. Aliás, esse perfil “Woody Allen” de ser é sempre evocado pela geração mumblecore. Não só dirigem e atuam, como editam e participam de todo o processo até a distribuição.
Outro nome de destaque no gênero são dois nomes, na verdade. Os irmãos Mark e Jay Duplass assinam a produção The Puffy Chair, único título a ter prestígio em um grande festival, o Sundance. No fim deste mês, a dupla lança, nos EUA, Baghead (“Cabeça De Papel”, em tradução idiomática para o português), uma comédia satírica com um grupo de quatro amigos que decide fazer um filme à Woody Allen. O mais novo da lista é Aaron Katz, que fez ano passado o filme Quiet City. E comum, todos querem o seu estilo descompromissado de fazer cinema. Mas que, às vezes, confunde-se com a própria verborragia e apatia da juventude sobre a qual se debruçam.