Mostra SP 2016: Os novos talentos da América Hispânica

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Cena de Nunca Vas A Estar Solo. (Divulgação).
Cena de Nunca Vas A Estar Solo. (Divulgação).
Cena de Nunca Vas A Estar Solo. (Divulgação).

De São Paulo

Além da Mostra Brasil, a região latino-americana está representada na Mostra pela Argentina, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru, Venezuela e México, dos quais oito diretores estreantes foram premiados internacionalmente. Dos 21 filmes hispano-americanos na Mostra, 15 integram a Competição Novos Diretores e cinco deles são de estreantes. Alguns já ganharam prêmios internacionais, como o excelente drama chileno Nunca Vas a Estar Solo, de Alex Anwandter, que conquistou o Teddy em Berlim, ou ainda o argentino Futuro Perfeito, Prêmio de melhor primeiro filme  no 69º Locarno Film Festival para a alemã radicada em Buenos Aires Nele Wohlatz. A seleção de filmes deste ano conta com títulos premiados dentre as obras confirmadas dos oito países hispano-americanos presentes, incluindo o novo longa do cineasta chileno Alejandro Jodorowsky. O país que trouxe mais produções é a Colômbia, o que atesta a vitalidade de sua produção audiovisual.

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Anwandter é um cantor, compositor, produtor e diretor bastante conhecido no Chile e Nunca Vas a Estar Solo, seu longa-metragem de estreia, foi inspirado pela trágica história real de Daniel Zamudio, jovem homossexual assassinado brutalmente a pancadas no Chile. O caso inspirou uma minissérie de grande audiência na televisão chilena, Zamúdio: Perdidos em La Noche, exibido em 2015. No drama de Anwandter, o ataque criminoso é o ponto de partida para discutir o vazio da vida de Juan, o tímido gerente de uma fábrica de manequins que vive sozinho com Pablo, seu filho gay de 18 anos, imerso num mundo de aparências.

A presença das coproduções não foi majoritária – apenas sete títulos -, e não interferiu no roteiro, que manteve o foco no principal país produtor, pois são filmes de autor, como o equatoriano Alba (Equador, México e Grécia), de Ana Cristina Barragan, vencedor do Prêmio Lions em Rotterdam 2016, sobre uma adolescente que tem a mãe hospitalizada em estado grave e não consegue aceitar sua realidade. Los Decentes, de Lukas Valenta Rinner, que narra  as peripécias de uma empregada em um condomínio portenho de alto luxo, que descobre serem os vizinhos membros de uma colônia naturista de suingue, e o segundo longa da diretora paraguaia Paz Encina Exercícios Da Memória (Colômbia, Argentina, Holanda, Alemanha, Grécia). Encina foi a vencedora do Prêmio da Crítica na 30ª Mostra Hamaca Paraguaya. Neste documentário Encina recupera a trajetória de Agustín Goiburú, o maior adversário político do regime de Alfredo Stroessner, desaparecido em 1976, em Paraná, cidade argentina onde foi exilado. Trinta e cinco anos depois, Rogelio, Rolando e Jazmin, seus três filhos, percorrem o caminho de volta. Suas vozes surgem em off. Encina é delicada, e as imagens são compostas por fotos, cenários familiares, numa narrativa que lembra um álbum de memórias, extremamente poética, ela nunca expõe diretamente os filhos à presença da câmera.

A cineasta paraguaia Paz Encina. (Divulgação).
A cineasta paraguaia Paz Encina. (Divulgação).

A coprodução Brasil e Argentina La Venganza, por exemplo, que não consta da seleção oficial de latino-americanos, é protagonizada e dirigida por brasileiros e falada em português e castelhano. Seus protagonistas se deslocam do Brasil para a Argentina, numa trajetória do gênero comédia ao estilo road movie, e a aventura acaba em Buenos Aires.

Outro chileno, Las Plantas, de Roberto Doveris conquistou o Urso de Cristal no Festival de Berlim 2016, outorgado pelo Júri Jovem do evento. Mas se perde um pouco em um roteiro mirabolante que mescla os problemas de relação de uma jovem adolescente que cuida de seu irmão que vive em estado vegetativo, a descoberta da sexualidade numa rede de chats eróticos, e as plantas do título, uma HQ que não agrega muito valor ao conteúdo. Menos pretensioso, o peruano O Sonhador, uma coprodução com a França, traz uma interessante abordagem do mundo árido de um delinquente ligado a uma gangue, Sebastian (Gustavo Borjas), que vislumbra uma redenção ao lado de um grande amor, a garota Emilia (Elisa Tenaud) mas acaba tendo de optar pela realidade possível. Ou ainda do painel sinistro delineado pelo diretor chileno Carlos Leiva em El Primero de La Família sobre um jovem, Tomás (Camilo Carmona) que se forma em Medicina e consegue uma bolsa para estudar na Europa, e se converte na maior esperança de seus pais, um motorista e uma dona de casa. No entanto, nada é o que parece, e a opressão das relações familiares vem à tona durante a despedida do rapaz.

Sebastián, o Chaplin de O Sonhador. (Divulgação).
Sebastián, o Chaplin de O Sonhador. (Divulgação).

Sensível e criativo, o argentino Futuro Perfeito traz uma jovem chinesa que vai reencontrar os pais, radicados em Buenos Aires, já adolescente, e sua luta para se inserir num país estrangeiro. Nas aulas de espanhol, ela conhece outros imigrantes, e passa a se comunicar através de frases aprendidas nos livros de exercício.  Dessa forma, ela arruma um namorado indiano, tão solitário quanto ela, que busca uma inserção social através de uma relação amorosa. Apesar de todo o esforço de Xiaobin Zhang, nome da personagem e da atriz, que chega a adotar o nome de Beatriz, ela não consegue sair do universo restrito reservado aos estrangeiros. Mas é ao apropriar-se da língua que a jovem consegue refletir sobre a própria existência.

Las Plantas: o imaginário adolescente pop. (Divulgação).
Las Plantas: o imaginário adolescente pop. (Divulgação).
El Primero. (Divulgação).
El Primero de la Familia e as pequenas opressões familiares. (Divulgação).