Máquina do Desejo
Joaquim Castro e Lúcio Weglinski
BRA, 2023, 1h50. Documentário. Distribuição: Descoloniza Filmes
Com José Celso Martinez Correa, Renato Borghi, Itala Nandi
O Teatro Oficina Uzina Uzona é uma entidade viva. Fruto de um processo de explosão criativa de forças dionisíacas com a benção dos orixás, ele é festa, é tragédia, é caos, é rito e é magia. E são essas forças telúricas e, ao mesmo tempo, oníricas que regem as imagens do documentário Máquina do Desejo, de Joaquim Castro e Lúcio Weglinski. Guiado pela energia de seu fundador José Celso Martinez Corrêa, que morreu no último dia 6 de julho, o filme é um libelo em defesa da continuidade e da importância deste ícone inigualável das artes cênicas do Brasil.
Para realizar Máquina do Desejo, os diretores se debruçaram por sete anos em um acervo de imagens de seis décadas de registros feitos tanto pelos próprios integrantes do Oficina, quanto filmagens de cineastas e videomakers, arquivos de cinematecas e de emissoras de televisão nacionais e internacionais.
O resultado é uma obra de fôlego que consegue sintetizar não só a força criativa do Oficina, mas mostrar como ele foi fundamental para a consolidação de uma teatralidade nacional identificada com as raízes culturais do país e um agente de transformação social.
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Ganhador de diversos prêmios como Menção Honrosa do É Tudo Verdade, de 2021 e Melhor Documentário no Mix Brasil, entre outros, o filme de Castro e Weglinski é um mergulho de corpo inteiro e de alma aberta naquilo que o Oficina tem de mais encantador: a sua capacidade de romper com as certezas e cânones para abraçar a liberdade, a diversidade, enfrentar as contradições e mostrar que a arte é muito mais do que entretenimento, é uma necessidade básica da vida.
Para realçar esse papel do Oficina, além do próprio Zé Celso, várias vozes comparecem ao documentário, para testemunhar como o Oficina dialogou com a literatura, o cinema, a música, as artes plásticas, a arquitetura e influenciou artistas das mais diversas expressões.
Ao captar a essência do espírito inquieto e revolucionário que sempre regeu os passos do grupo, os realizadores também nos oferecem um painel histórico do Brasil dos últimos sessenta anos. Através da presença do Oficina, acompanhamos os diversos movimentos artísticos que ocorreram no país como o Tropicalismo, o Cinema Novo e as inúmeras lutas por ele empreendidas: a perseguição política sofrida no período da ditadura militar, a censura, e a eterna disputa com o Grupo Silvio Santos para manter a sede do grupo no bairro do Bixiga em São Paulo, um prédio projetado pela arquiteta Lina Bo Bardi que traduz na sua arquitetura e ocupação do espaço cênico os ideais de Zé Celso e seus seguidores.
Máquina do Desejo é um desses documentários que ultrapassam as possíveis classificações que se possam a ele atribuir. Ele é, sem dúvida, um documento, pelo resgate de imagens das montagens do Oficina e pelos depoimentos, mas é, também, uma experiência sensorial, graças a forma como os diretores articularam as diversas camadas que o material utilizado faz aparecer e reverberar.
As múltiplas linguagens e os experimentos cênicos do Oficina são retrabalhados pelo filme, dando-lhe uma dimensão quase performática. O recurso do coro, por exemplo, tão caro ao método de encenação desenvolvido por Zé Celso, surge na tela com força, conseguindo transformar a experiência de ver o filme em uma sala escura numa possibilidade de ser seduzido pelos ritos e cantos que nela desfilam em luzes, cores e sombras.
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