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Cais da Alfândega foi tomado pelos fãs do movimento. (Guilherme Paiva/ Divulgação)

Manguezassa provou a longevidade e importância do Manguebeat no Recife

Festa gratuita reconheceu, depois de 30 anos, o peso artístico do movimento para a cultura pernambucana

Cais da Alfândega, Recife Antigo (PE)

O Movimento Manguebeat chega aos 30 anos de desenvolvimento e resistência cultural. Uma das mais autênticas expressões artísticas do Brasil contemporâneo, o manguebeat ganhou o espaço do Cais da Alfândega na última quarta (6) para uma reunião de nomes grafados na base dos ideais desse movimento. O Manguezassa foi um evento que demonstrou a longevidade e a pluralidade rítmica do movimento, numa festa pública, gratuita e receptiva a todos os tipos de público, assim como o Manguebeat.

A Banda Eddie abriu o palco, aquecendo e agitando os espectadores, o grupo foi seguido por Mundo Livre S/A,  um dos grupos fundadores do movimento. Em seguida, o grupo Devotos incendiou o Bairro do Recife com o Hard Rock pernambucano, e, por fim, Nação Zumbi, em um show apressado, homenageou os outros ritmos populares de Pernambuco. Além das bandas, o DJ Damata aqueceu o público antes do início dos shows e comandou o som no intervalo entre as atrações. 

Como primeira atração da noite, a banda olindense Eddie, chegou ao palco do Manguezassa com seu repertório misturando samba, rock e frevo, um repertório ainda calmo, mas não menos energizante. Os ritmos melódicos se juntam às críticas sociais das letras – marca do gênero – capturaram a atenção da plateia, numa conexão que permaneceu durante o restante de seu show e da noite como um todo. 

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Na sequência, Mundo Livre S/A, um dos pilares dos Manguebeat, abriu o show de forma eletrizante com “Computadores fazem arte”, e a resposta do público foi imediata: cantar junto com Fred Zero Quatro em coro. O vocalista relembrou de sua primeira viagem ao lado de Chico Science à São Paulo, para conhecer profissionais da música que se interessaram pela agitação musical no Recife, numa reflexão ao espaço adquirido pelo manguebeat nestas três décadas de existência. Além disso, Fred falou das inspirações musicais do grupo, e saudou A Tábua de Esmeralda de Jorge Ben. O cavaquinho, instrumento-assinatura da banda, também esteve presente no show enquanto cantavam “O Mistério do Samba”, ainda com a ajuda do público. 

Avançando pelas suas faixas, a banda reafirma outra marca do movimento: o gênero não se limita a certas abordagens, melodias e instrumentos. Como uma contracultura ao modelo vigente na indústria três décadas atrás, o que faz do Manguebeat tão especial é a sua capacidade de se fixar com as suas diversas referências, do rock, ao samba e ao frevo. 

Como atração seguinte, a banda Devotos incendiou o Cais do Alfândega com o hard rock do Alto José do Pinho num show repleto de críticas sociais.  Do primeiro momento em que a banda iniciou o show até sua finalização, a roda punk formada pelo público seguiu rodando, sem pausas. O som potente do Devotos foi, de fato, o ponto alto da noite, numa energia que parecia inesgotável. As faixas “Alien” e a sequência “Asa Preta/ Luz da Salvação” foram responsáveis pelos momentos mais agitados no evento. 

Mais ao final do show, a Devotos chamou a atenção para a participação feminina no punk hard core. Cannibal pediu à plateia que formasse uma roda punk formada apenas por mulheres e chamou ao palco cinco cantoras da cena do rock pernambucano. Caetana, Dani Carmesim, Kira Aderne, Luanda Luá e Luísa Cunha foram convidadas pelo vocalista e juntas cantaram o clássico “Punk Rock/ Hardcore” em tributo às vozes femininas no rock pernambucano. 

Um ponto importante era a diversidade na faixa etária do público do Manguezassa, que não se restringiu a uma geração fã do movimento. Jovens, adultos e idosos cantaram e apreciaram os shows com o mesmo entusiasmo. 

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(Foto: Guilherme Paiva/ Divulgação)

“Eu fico muito feliz, porque, Pernambuco tem um público que tá sempre se renovando, mas que é, também, multicultural, que tá sempre junto. Se você for prestar atenção, nos festivais que sempre existiram aqui, você vê grupos diferentes, e bandas diferentes, mas todo mundo na mesma roda, como aqui hoje. Vai tocar Nação [Zumbi], e a mesma galera que vai estar na roda da Nação estava na roda da Devotos, e essa multiculturalidade faz Recife crescer cada vez mais”, disse Cannibal em entrevista à Revista O Grito!. “Fico ‘de cara’ quando vou no show do Ave Sangria e vejo a gurizada cantando músicas de uma banda de 50 anos, então, cada vez mais, prova que Recife é foda e que a gurizada está antenada. O que falta mais é difundirmos nossa música pernambucana, as rádios tocarem mais, a televisão mostrar mais. Show tem, mas a difusão na rádio e TV, da música pernambucana, produzida pelo manguebeat, ainda tá faltando”, completou Cannibal.

Como última atração, e com um atraso de 20 minutos, Nação Zumbi subiu ao palco do Manguezassa e misturou aos seus ritmos outras facetas da cultura popular de Pernambuco. Ao finalizar “Bossa Nostra”, o vocalista, Jorge Du Peixe, afirmou que o movimento era sobre “desenvolvimento” e “resistência cultural”. Outros sucessos seguiram o repertório da banda, como “Novas Auroras”, até que a primeira atração convidada pelo grupo subiu ao palco. Lia de Itamaracá performou “Meu São Jorge”, e imediatamente uma ciranda se formou em meio às pessoas.

Além de Lia, a pernambucana Jessica Caitano participou do show com rimas e o toque do pandeiro, misturando a poesia ao manguebeat. A princípio, “A Praieira” era a última música na lista da banda, mas ao final da apresentação, o vocalista respondeu aos pedidos de “mais uma” do público justificando que os horários eram definidos pela produção da prefeitura do Recife, e que, se pudesse, permaneceria no palco pelo resto da noite. No fim, os apelos da plateia venceram e a banda convidou o cantor Lirinha – integrante do grupo O Cordel do Fogo Encantado – para fechar o show com o maior clássico do grupo, “Maracatu Atômico”, que, aparentemente, não fazia parte da lista de canções. 

O Manguezassa apareceu como um espaço necessário e merecido – ainda que tenha demorado três décadas para que esse espaço fosse criado – para o manguebeat, num aparato público que possa mostrar futuros talentos do gênero e dar o reconhecimento às bandas que já existem e constroem o movimento.