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Foto: Divulgação.

“Malu”: atuação arrebatadora de Yara de Novaes em filme-homenagem à memória da atriz Malu Rocha

Com ares de Bergman e Almodóvar, melodrama de Pedro Freire é retrato sensível sobre sua mãe 

“Malu”: atuação arrebatadora de Yara de Novaes em filme-homenagem à memória da atriz Malu Rocha
4.5
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Malu
Pedro Freire
BRA, 2024. 1h40. Drama. Distribuição: Filmes do Estação
Com Yara de Novaes, Juliana Carneiro da Cunha, Átila Bee


Ouvir o balé do vento numa tarde à beira-mar. O riscado do céu naquela noite em que perdemos a noção do tempo. Um sorriso, um cheiro. Memórias esculpem a existência humana, dão sentido à cronologia dos nossos dias. O cinema, enquanto arte que documenta, é uma permanente ode à lembrança, ao passado. Esboçar um retrato cinematográfico daqueles que nos foram tão caros e não mais se encontram entre nós é um exercício recorrente entre realizadores, mas nem sempre bem sucedido. Malu (2024), de Pedro Freire, é uma obra profundamente exitosa na proposta a qual se propõe. 

O cineasta transporta às telas um período específico da vida da sua mãe, Malu Rocha, atriz nacionalmente reconhecida por papéis no teatro, na televisão e no cinema. Malu faleceu em 2013, após anos de luta com o mal de Príon, rara doença neurodegenerativa. A atriz participou de várias novelas na Globo e no SBT, como Chiquititas (1998) e Paraíso Tropical (2007). Entre os longas-metragens dos quais fez parte, talvez os mais conhecidos sejam O Crime do Zé Bigorna (1977) e Como Salvar Meu Casamento (1987)

Diretor de curtas e produtos seriados televisivos, Pedro Freire faz, em Malu, sua primeira incursão por trás das câmeras de um longa-metragem. No filme, acompanhamos a experiente atriz, interpretada por Yara de Novaes, em dias menos gloriosos. Isolada e afastada do intenso ciclo social de outrora, Malu mora com a mãe Lili (Juliana Carneiro da Cunha) e o amigo Tibira (Átila Bee), em uma comunidade no litoral fluminense.

A casa, absolutamente bagunçada e com reformas a fazer, é uma representação evidente do desarranjo emocional dos personagens – que fica ainda mais perceptível quando a filha de Malu, Joana (Carol Duarte), vai passar alguns dias no local. Feridas geracionais e traumas familiares não demoram a entrar em ebulição. 

De maneira fluida, o espectador entra na história daquelas mulheres de três gerações distintas; o roteiro pavimenta com segurança e sutileza o desenvolvimento do drama individual e compartilhado. Na cena do almoço entre Malu e Joana, o gestual das atrizes redimensiona a profundidade do que é dito. Louvável como o cineasta, em outro exemplo, a partir de uma conversa com um padre que acaba tomando rumos nada cordiais, traça um perfil rico e complexo da protagonista, corroborado nas cenas subsequentes.

O comportamento agressivo de Malu, seus palavrões gritados a plenos pulmões, esconde muito mais do que revolta: há ali enorme melancolia, sentimento de abandono e, com a iminência da doença, bastante desamparo. 

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Yara de Novaes: entre a fúria vigorosa e a vulnerabilidade. (Divulgação)

Praticamente todo filmado numa mesma locação, Malu jamais se torna cansativo; cada cena apresenta-nos algo novo, mais aprofundado, sobre as relações daquelas mulheres que poderiam, facilmente, ser personagens de um filme de Pedro Almodóvar. Há uma cena noturna impressionante: a filha Joana discute aos berros com Malu e, em meio à descarga sentimental, desabafam verdades antes nunca faladas uma à outra.

O modo como as atrizes se movimentam entre sombras e fachos de luz no interior do imóvel, durante a forte desavença, me recordou passagens de Sonata de Outono (1978), de Ingmar Bergman – este que considero, desculpem a definição fajuta, o maior filme mommy issues da história do cinema. 

Se no clássico bergmaniano as poderosas atuações de Liv Ullmann e Ingrid Bergman são a força motriz da narrativa, aqui não é diferente. Não cansarei de ressaltar a magnitude da performance de Yara de Novaes: quanta entrega para a composição de personagem tão cheia de camadas. De partir o coração quando, já acometida de sinais de demência, a protagonista se esquece que o amigo Tibira não mora mais naquela residência.

A atriz consegue transitar entre a fúria vigorosa do início da narrativa para a quase completa vulnerabilidade. Nada mais do que merecido Yara ter conquistado o prêmio de Melhor Atriz no Festival do Rio deste ano por seu trabalho espetacular. Aplausos também para os demais nomes do elenco que mantêm a força neste projeto tão desafiador para os atores.

Homenagem lindíssima à memória da sua mãe, Pedro Freire produz um filme tocante e corajoso com a representação dolorosa de anos extremamente difíceis para quem convive com um familiar em tais condições clínicas. Aos espectadores do Recife, Malu faz parte da programação do XV Janela Internacional de Cinema: a sessão do filme – com presença da equipe do filme – acontecerá no dia 7 de novembro, quinta-feira, às 21h30, no Cinema São Luiz.

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