Luiza Lusvarghi // Trans: Epitáfios

Epitáfios (Foto: HBO/ Divulgação)
Em trama que desafia o senso comum dos suspenses, em série da HBO, espectador é cúmplice e voyeur privilegiado dos crimes (Foto: Divulgação)

POLICIAL LATINO
Em sua segunda temporada, Epitáfios, série Argentina da HBO latina, traz de volta a dupla de detetives Renzo Márquez e Marina Segal ao lado de uma nova equipe para desvendar os passos de um serial killer obcecado por crimes do passado
Por Luiza Lusvarghi, de São Paulo

No dia 19 de abril, estreia a segunda temporada de Epitáfios (Epitaphs), a badalada co-produção da HBO Latin America com a produtora argentina Pol-ka. A primeira temporada foi há muito tempo, em 2004, e deixou saudades – quem quiser rememorar vai ter de recorrer ao You Tube, pois a série só foi comercializada em DVD nos EUA. A dupla de detetives Renzo Márquez (Julio Chávez) e Marina Segal (Cecília Roth, a Sexília de Almodovar), volta a se reunir para enfrentar um serial killer que, aparentemente, reproduz crimes que já ocorreram a partir da reconstituição fotográfica de seus registros divulgados na imprensa. Até aí nada que mereça uma atenção especial, exceto pelo ambiente de delegacia, que lembra mais as brasileiras e latinas do que as americanas, certamente. Seven também possuía um assassino meticuloso, um artista do crime.

No entanto, as semelhanças com as séries policiais americanas, que praticamente são a referência mundial do gênero, terminam por aí. A primeira imagem do seriado traz o assassino, desta vez interpretado por Leonardo Sbaraglia (Plata Quemada), presumivelmente um esquizofrênico, que mais se assemelha a um intelectual. Como se sabe, nas séries americanas, fartamente baseadas na literatura policial, tudo gira em torno da descoberta da verdade e do criminoso. Desvendar o mistério por trás dos crimes e a sua autoria, até mesmo no desconcertante From Hell (Do Inferno), baseado na obra de Alan Moore sobre Jack, O Estripador, está acima de tudo.

Epitáfios já desafia o senso comum a partir daí. Não só conhecemos o autor dos crimes desde a primeira cena, como somos capazes de prever os seus passos, através do personagem XL, o que coloca o espectador como cúmplice e voyeur privilegiado, capaz de chegar ao fato antes mesmo da própria polícia. Na medida em que a trama avança, outro elemento desestruturante se coloca – o grande mistério da série não são os crimes, mas as revelações sobre a vida dos detetives, que se sucedem de forma imprevisível, gerando perplexidade. Renzo, um solitário policial, em vários momentos, coloca problemas familiares e afetivos acima do dever, e perde a compostura diante do pai e da parceira. Marina, então, está longe de ser um primor de equilíbrio. Depressiva, angustiada, ela imprime a cada episódio a atmosfera sombria de quem sabe o que é a dor. A cada cena, a vida pessoal de Renzo e Marina vai se entrelaçando mais e mais com os crimes que investigam.

O roteiro, assinado pela dupla de irmãos Walter e Marcelo Slavich, é de tirar o fôlego, e vem embalado pela mesma trilha sombria de Iván Wyszogrod, que lhe confere uma inusitada densidade dramática, e pela primorosa direção de fotografia de Guillermo Zappino. A direção da segunda temporada é de Alberto Lecchi, um dos diretores da primeira, e de Daniel Barone. Filmada em Buenos Aires em formato 16 mm, o que lhe confere uma incrível mobilidade e um ar documental, seus 13 episódios incluíram 23 semanas de filmagem em 70 lugares diferentes, com 180 atores diferentes.

A HBO Latin America Group SM é um grupo de empresas afiliadas da Time Warner Entertainment Company, a maior corporação de mídia mundial, reunindo ainda a L.P., Sony Pictures Entertainment Inc. e Ole Communications Group. São as empresas da HBO Latin America que operam e dirigem a programação a cabo e por satélite do grupo Time Warner na América Latina, no Brasil e no Caribe. A HBO vem investindo em co-produções com produtoras independentes na America Latina, e já lançou desta forma Capadócia (México), Mandrake, Filhos do Carnaval e Alice (Brasil), e esta segunda temporada de Epitáfios. No Brasil, ela usou renúncia fiscal para co-produzir. Apesar das investidas no segmento, a empresa não comercializa suas obras latinas em DVD por aqui.

A divisão latina da Fox, que também anda fazendo incursões pelo gênero, foi mais feliz em seu policial brasileiro, 9 mm, do que na série colombiana Tempo Final, de resultado bastante duvidoso, e com cenas que beiram o escatológico. De qualquer forma, as divisões de televisão das grandes corporações de mídia mundial vêm produzindo seriados bem-sucedidos e longe dos estereótipos que, muitas vezes, rondam as produções do gênero por aqui.